Linoca ao lado de fotografias da exposição Assunção

‘Na internet minha arte mostra representatividade e pode ir além’, diz Linoca Souza

Artista comenta como se dá a identificação artística feminina, preta e periférica na internet

Por Alexandre de Melo

O blog #Olar bateu um papo com Aline Souza, a  Linoca,  artista visual e ilustradora paulistana.  Criadora de projetos como a Revista Preta, Linoca trabalha com a representação da mulher negra em sua arte. Atualmente ela é ilustradora da coluna semanal da filosofa Djamila Ribeiro na Folha de São Paulo e ministra oficinas de pintura e ilustração digital no Sesc.

Linoca Souza na instalação ‘Ressignificar’  no Sesc Interlagos (SP), em agosto de 2016 Divulgação/ Arquivo pessoal Linoca

 No entanto, mesmo com tantos trabalhos em plataformas físicas, Linoca tem parte do seu trabalho reconhecido pela divulgação no Instagram e outras redes sociais onde apresenta grafites, desenhos, pinturas e intervenções.

“Eu escolhi trabalhar com a arte porque eu sempre senti a necessidade de falar e trocar sobre o que me tocava. A  arte foi o caminho de expressão e troca. Afinal, ser artista é também sobre saber ouvir”, conta Aline.

Confira abaixo o papo com a artista sobre  sua relação com a internet e o uso das ferramentas onlines por artistas negros e periféricos

Você percebe uma relação entre a sua arte, identidade e a divulgação na internet? 

Sim. A internet tem sido um espaço democrático e acessível para que eu chegue nas pessoas e fique sabendo quase que de modo instantâneo sobre a reação delas com relação ao que eu faço. A internet para o meu trabalho é uma grande galeria online. Na internet minha arte mostra representatividade e pode ir além. O trabalho chega em pessoas que eu não conseguiria alcançar de um modo mais tradicional.

 Há espaços de divulgação de arte na periferia de São Paulo?

Atualmente eu moro no Butantã, uma região mais central e com acesso de transporte de São Paulo. No entanto, desenvolvi todo o meu trabalho na periferia e tenho muitas ligações por lá. Há espaços de arte na periferia, sim, mas a maioria são espaços autônomos feitos em bares e lugares alternativos. Há uma dificuldade política de permanência e apoio do poder público. Inclusive, falta divulgação dos centros culturais para as pessoas da periferia. A  arte periférica tem o detalhe importante de procurar a representatividade e podemos melhorar na questão de autoafirmação de arte. Algumas pessoas não entendem como arte o que é feito na periferia e isso pode ser mudado.

Como sua arte é recebida na internet? 

No geral as pessoas gostam, especialmente das ilustrações.  Há uma identificação com o público feminino e negro. Criamos pontes de diálogo. Nem sempre é fácil. Já recebi questionamentos sobre algumas temáticas. Fui ofendida quando usei uma ilustração para falar sobre os corpos femininos e negros, por exemplo.  Mas isso não me incomodou. Acredito que nas artes o importante é tocar o outro. E isso tem acontecido com meu trabalho. Às vezes recebo mensagens de pessoas que compraram um jornal ou livro porque tinha uma ilustração minha. Isso me toca, além de me fazer pensar na responsabilidade que tenho em fazer um bom trabalho.

Negros e periféricos têm o mesmo espaço para apresentar seus trabalhos na internet? Algo  é diferente? 

Eu acho que todos têm o espaço de uso, mas nem todos sabem usar. Muitas pessoas não sabem mexer em algumas plataformas, outras pessoas não possuem recursos como bom material para registro fotográfico,  ou um tempo que permita o acesso mais contínuo à internet para essa veiculação, por exemplo. Também há um fator que é a linguagem de determinadas redes.  Algumas pessoas, por uma questão geográfica e/ou étnica, não têm acesso direto a alguns meios e acabam tendo dificuldades para trocas.

Você está falando de preconceito?

Sim. Também estou falando de preconceito, mas é mais do que isso. Estou falando de preconceito, estima e acesso. Se uma pessoa gasta 2 horas de transporte público para ter acesso ao equipamento cultural, essa dificuldade de deslocamento dificulta demais quem já teve uma rotina de desgaste no trabalho durante a semana. A arte divulgada na internet também não é tão democrática como eu mesmo quero pensar que é. Por exemplo, algumas pessoas têm celular com plano limitado de internet e usam mais durante a semana no trabalho. Eu tive muito esse desgaste da correria de trabalhar e estudar e ainda me dar o direito de ter um tempo para conhecer mais artistas. É uma realidade mais comum do que se pensa. Já para os artistas, um computador e um celular com mais capacidade é importante para a divulgação. No começo da minha carreira recebi muito esse feedback: “Você é talentosa, mas precisa divulgar essas artes em uma resolução de imagem melhor. Colocar as ilustrações no Instagram, etc”. Além de acesso, penso que a estima e o preconceito se manifestam quando entramos na faculdade e vemos poucas pessoas negras, quando vamos em uma exposição e vemos poucos negros, e quando as artes expostas  falam pouco ou nada da cultura de matrizes africanas. Eu atuo em um projeto chamado ‘Museu nas Férias’ para mostrar para todos que alguns lugares são imponentes, mas não são excludentes. A Pinacoteca é para todos, por exemplo. Quando a Pinacoteca fez uma exposição recente com recortes étnicos, recebeu criticas. A ideia não é separar pessoas, mas destacar nossa cultura de nordestinos, mulheres e negros forma mais acessível e criar um diálogo, de fato. Nossa cultural é plural e precisa sair de guetos fechados.

Quais artistas que valorizam a cultura preta periférica no Brasil você indica para as pessoas conhecerem ou saberem mais? 

Tem muita gente fazendo artes importantes: Ione Maria,  Ubere, Daniel Normal , Diego Mouro, Fabio Gonçalves, Nathalia Cipriano. E artistas ótimos que ocupam espaços em galerias como a Rosana Paulino, Renata Felino, Ayrson Heráclito, No Martins e Moises Patrício. 

E qual trabalho da Linoca as pessoas precisam conhecer?

Ah, eu tenho orgulho de todos, rs. A capa do livro Torto Arado, do autor Itamar Vieira Junior (Editora Todavia) foi um trabalho que me deixou imensamente contente em desenvolver. O romance é muito bonito, traz apontamentos sobre a nossa história nordestina e as pessoas costumam se reconhecer no relato.

As pessoas também me falam da sensação de representatividade nas ilustrações na Folha de São Paulo.

Ilustração de Linoca para a coluna de Djamila Ribeiro na Folha de São Paulo

 

Eu fui selecionada para um programa de incentivo a jovens artistas e curadores no Instituto Adelina Cultural. Por meio da bolsa que  recebi, montei a série ‘Assunção’, onde investigo por meio de fotografias e pinturas como  a imagem de Nossa Senhora Aparecida, que é uma santa negra, é representada em um país ainda tão racista e com um passado tão colonial. 

Foto da série ‘Assunção’ em exposição no Instituto Adelina 11 de janeiro de 2020 Divulgação

 

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