6. A sociedade se mexe

Você já viu por aqui que as notícias falsas podem ter uma série de motivações. Não custa relembrar. Aqui, nós vamos usar a classificação proposta pelos pesquisadores Claire Wardle e Hossein Derakshan:

Há notícias falsas criadas com motivo político. Em geral, são conteúdos que visam prejudicar algum adversário, atribuindo até mesmo crimes a políticos que se oponham a quem financia a produção.

Há desinformação produzida com a justificativa da disrupção social. Ou seja, causar problemas e confusão. Mas por que as pessoas iriam querer ver o circo pegar fogo? Os pesquisadores Wardle e Derakshan vão falar em razões psicológicas (a busca de reconhecimento pelos indivíduos em seus grupos) e sociais (a conexão com um grupo, inclusive com a participação em redes sociais). Muitos grupos de jovens se reúnem, quase sempre no submundo da internet (grupos fechados de WhatsApp e a chamada deep web, por exemplo), para inundar as redes sociais com mentiras, teorias da conspiração, vídeos e áudios fraudulentos.

Há, por fim, desinformação feita para com motivação econômica. Produzir notícias falsas pode ser um negócio lucrativo mesmo que você não tenha um político financiando a iniciativa.

Para entender como isso ocorre, precisamos antes falar um pouco sobre a revolução que a digitalização provocou no mercado publicitário.

Caramba… foi bem mals
Caramba… foi razoável
Caramba… foi muito bem
De onde vem o dinheiro que sustenta um site ou blog gratuito na internet?

Correto!

Errado!

A principal fonte de receita no meio digital é a venda de espaços para anunciantes. Banners, superbanners, links relacionados, pop ups… cada um desses espaços gera alguns milésimos de centavo a cada “impressão” -- ou seja, a cada vez que alguém visita a página. Quando o número de visitas é grande, esse dinheiro costuma compensar.

Até uma década atrás, cada anunciante comprava diretamente dos veículos de comunicação os espaços para anúncios. Nessa época, um banner em um site era a transposição para o digital de um anúncio de revista. Se você quisesse anunciar em 10 sites diferentes, precisava fazer 10 negociações diferentes. Na mídia tradicional — jornais, revistas, rádio e internet –, ainda funciona assim.

Tudo mudou com a chamada mídia programática. Gigantes da tecnologia como o Google passaram a oferecer um serviço automático de compra de e venda de espaços publicitários na internet.

Funciona assim: os anunciantes dizem qual tipo de público (idade, preferências de consumo, hábitos de compra etc.) desejam atingir. E empresas especializadas “entregam” os anúncios ao público tenha essas características.

Em tese, todo mundo sai ganhando. O anunciante porque atingiu o público que queria. O dono do espaço porque conseguiu um anúncio. Intermediários como o Google porque ficam com uma parte do negócio. Mas, na prática, nem sempre funciona assim bonitinho. Vamos falar dos problemas com um exemplo concreto:

Você é o dono de uma empresa de roupas para bebês que quer anunciar na internet.  Eis o que acontece:

1- Você contrata uma plataforma de publicidade programática que pode identificar os consumidores por fatores como:

  • Gênero
  • Faixa etária
  • Interesses
  • Hábitos de compra
  • Comportamentos (por exemplo, pessoas que leem blogs de maternidade à noite)
  • Dispositivo (acesso por laptop ou smartphone, por exemplo)

2- Você pode se perguntar como a tal plataforma sabe tanta coisa sobre você. 

Simples: quando navegamos pela internet, vamos deixando “pistas” sobre nossos hábitos de navegação. Por exemplo: nosso navegador troca pacotes de dados com os sites que acabam servindo para identificar e armazenar informações sobre nós.

Hoje, uma grande gama de dados pode ser armazenado. O resultado é que as plataformas de publicidade têm uma “ficha corrida” nossa. Guarde essa informação que a gente já volta para ela.

3- Os sites e blogs que querem anunciar, por sua vez, contatam as mesmas plataformas de publicidade.

Eles firmam um acordo para “abrir” espaço para anúncios nas páginas de conteúdo. São diversos tipos: banners (os cartazes virtuais), links relacionados, pop ups etc.

Esses espaços ficam “livres” à espera do melhor anúncio.

4- Quando você entra em um site com publicidade, o que você vai ver é justamente o anúncio que tem a ver com as suas características.

Você pode imaginar como o site “adivinhou” que você estava procurando roupinhas de bebê. Não é magia, é tecnologia: as pistas da sua navegação indicam que você tem interesse nesse produto.

5- Mas, como esse processo é automatizado, às vezes alguma coisa dá errado — e os anúncios vão parar em sites de desinformação ou de discurso de ódio!

Isso acontece porque os sistemas de mídia programática não olham para o conteúdo das páginas. E aí, muitas vezes pode ocorrer de uma empresa — como a sua singela loja de roupinhas para bebê — estar financiando quem produz conteúdo enganoso mesmo sem querer, na maioria das vezes sem saber.

6- Os anunciantes podem optar por bloquear alguns sites ou mesmo palavras na página. Mas nem sempre isso dá certo.

As plataformas precisam evoluir na chamada “segurança da marca”. Como elas são pagas pela exibição de anúncio, muitas vezes elas publicam em qualquer lugar — incluindo sites nocivos.

Claro que cada visualização de banner rende muito pouco para o dono do site. Porém, com uma audiência de centenas de milhares ou milhões de pessoas, as cifras ficam bem atrativas. É nisso que apostam alguns produtores de desinformação. Você sabe: chamadas mentirosas, sensacionalistas, exageradas atraem audiência. Aí, eles abrem espaço para dezenas de banners por página para, como se diz no jargão da área, “monetizar” a audiência.

E não estamos falando de uma hipótese: tudo isso já aconteceu na prática. Nas eleições norte-americanas de 2016, um grupo de jovens na Macedônia — nada a ver com os Estados Unidos, portanto — começou a produzir uma série de conteúdos falsos sobre os candidatos Donald Trump e Hillary Clinton. O objetivo? Ganhar dinheiro com mídia programática. Esta  reportagem da BBC mostra como eles agiam. Por aqui, rolou também: em 2017, a Folha de S. Paulo conversou com um criador de sites de fake news que, além de lucrar com a publicidade, produzia notícias a pedido do político que pagasse melhor.

Caramba… foi bem mals
Caramba… foi razoável
Caramba… foi muito bem

A sociedade contra-ataca

A moda pegou, mas não ficou impune. Para “sufocar” financeiramente sites, blogs e perfis de redes sociais que lucram com a desinformação, surgem movimentos como o Stop Funding Hate, Stop Hate for Profite o Sleeping Giants. São perfis na internet que expõem as marcas que financiam sites de fake news e discurso de ódio. A estratégia dessas ações é avisar publicamente os anunciantes diante da opinião pública, fazendo com que, pressionados, eles tirem sua publicidade do ar.

O Stop Hate for Profit comandou um boicote aos anúncios no Facebook para pressionar a rede social a tirar do ar sites que incentivam o racismo, a violência e o ódio. Já o Sleeping Giants está presente em vários países do mundo. Nos Estados Unidos, uma ação bloqueou banners de mais de 4 mil empresas no site Breitbart, um dos mais conhecidos da extrema-direita norte-americana, notório pelo uso de desinformação. O perfil chegou ao Brasil em maio de 2020. A jornalista Mônica Bergamo mostrou que ele é comandado por um casal de 22 anos do Paraná. “Até hoje, eles calculam ter retirado de três sites de notícias e dois canais o equivalente a R$ 1,5 milhão. Segundo eles, 700 empresas já seguiram seus alertas e retiraram os anúncios de sites duvidosos. O SGB tem 410 mil seguidores no Twitter e 170 mil no Instagram”, informa a reportagem. A revelação foi recebida com incredulidade pela extrema-direta e ameaças de morte.

O Sleeping Giants não está sozinho na chamada “desmonetização” de sites extremistas e de desinformação. Em 2019, 17 dos principais anunciantes do mundo anunciaram a Aliança Global para a Mídia Responsável. É uma colaboração global de agências, empresas de mídia e plataformas para que os anúncios sejam veiculados em produtores de conteúdo de qualidade — o que obviamente exclui quem inventa notícias ou trabalha com desinformação.

Com quatro pilares — mais segurança para os consumidores, menos risco para os anunciantes, mais credibilidade para as plataformas, e uma indústria sustentável –, a Aliança desenvolve  processos e protocolos para driblar a publicidade automática em sites enganosos. A opção por sites de qualidade é o que auxiliaria na sustentabilidade, uma vez que se ninguém anunciar em bom conteúdo, ele simplesmente deixará de ser publicado.

Tais ações vem sendo saudadas como uma reação importante à desinformação e à disseminação de discurso de ódio. Mas os críticos também apontam alguns riscos em ações de boicote. Você saberia dizer quais?

Correto!

Errado!

O boicote é legítimo e não há nenhuma lei que o impeça. Mas há uma consideração ética importante a ser feita. "Se empregado sem limites por um público consumidor intolerante, contudo, o boicote se converte facilmente numa arma contra a liberdade de expressão", afirma o economista Joel Pinheiro da Fonseca. Grupos de extrema direita têm usado essa estratégia para tentar diminuir a audiência -- e por consequência, as receitas -- de veículos de comunicação legítimos, que apenas divulgam notícias contrárias aos políticos apoiados por esses militantes. Por isso, é importante verificar os motivos do boicote -- e se você os considera justos.
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