Protestos na internet ganham nova importância por conta do isolamento social
Por Alexandre de Melo
O novo viral da internet é o uso do logotipo antifascista adaptado para diferentes perfis profissionais e de ativistas.
O ressurgimento da bandeira antifascista pode ser considerado uma reação. Mesmo em meio a maior crise sanitária do século por conta do novo coronavírus, as manifestações de rua voltaram a ganhar força por apoio ou repúdio a ideias disseminadas na internet.
Parte dos apoiadores do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizam protestos pedindo intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e flertam com símbolos neonazistas.
“Temos dois projetos em choque no Brasil: o primeiro é um projeto de destruição que desrespeita a Constituição e valores civilizatórios para defender o presidente Bolsonaro. O segundo é um projeto republicano que defende o pacto de 1988 e combate preconceitos. No entanto, por conta dos cuidados para salvar vidas e respeitar a quarentena, nós do lado democrático evitamos estar nas ruas, que é o lugar da disputa politica por excelência. E por outro lado, o grupo bolsonarista segue atuando em sua necropolítica em manifestações pequenas, mas barulhentas”, analisa o professor e cronista Francisco Bicudo.
Professora de Mídias Sociais Digitais, Lívia Silva de Souza chama a atenção para a descontextualizado do selo antifascista. “Há significado na bandeira, nas cores e nas iconografias. Ja vi algumas apropriações do selo na internet. É importante saber o que cada um desses detalhes significam para uso consciente e para que não se perca o sentido”, diz Lívia.
Ativo nos grupos de WhatsApp, o vendedor Thayan Maciel comenta sobre as brincadeiras com o simbolo antifa. “Acredito que a brincadeira exagerada com o selo antifa não é saudável e pode acabar ofendendo, especialmente entidades que realmente ‘estão vivendo’ essa luta”, afirma.
Bicudo explica que o uso extensivo da bandeira antifascista é apenas uma das novidades das redes sociais e que as manifestações online estão se reorganizando em diferentes partes do país. “As centrais sindicais fizeram um grande e inédito ato unitário online com a presença de diferentes vozes na tradicional manifestação de 1° de Maio. Mesmo com evidentes diferenças, as pessoas que defendem a democracia usam os grupos de internet, os textões, as lives e os conteúdos virais como ferramentas para reagir e elevar o nível do debate. A linha que costura a maioria dos brasileiros é a linha antifascista de defesa da democracia”, afirma.
O cenário de adaptação para mobilizações apenas nas redes sociais é inédito. A União Nacional dos Estudantes (UNE) segue atuante em ações na internet como o bem-sucedido adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A entidade defendeu que os estudantes em isolamento social têm diferentes condições para se preparar para a prova e, por isso, seria mais justo suspender a prova neste momento.
Presidente da UNE, Iago Montalvão fala sobre protestos online e o uso do logo antifascista.
“A utilização do símbolo da Antifa nas redes sociais é importante porque isola as posturas antidemocráticas do bolsonarismo. Há alguns meses, as pessoas ainda tinham medo de utilizar o termo fascista, mas o autoritarismo do governo fez com que as pessoas se apropriassem dessa narrativa para defender a democracia”, disse.
No livro “O que é Fascismo” (Companhia das Letras), o autor George Orwell chama a atenção sobre o uso abusivo do termo fascista como um sinônimo de “troglodita”. Não raro, é comum ver a palavra sendo usada na internet para definir qualquer pessoa que simplesmente pensa diferente.
No entanto, o Brasil pode realmente estar dando passos para ir além do flerte com o autoritarismo.
“Não acho que o uso do termo fascista para descrever o bolsonarismo seja um exagero. Se analisarmos tanto pensadores que refletiram sobre o nazifascismo dos anos 1920 e 1930, como Hannah Arendt e Robert Paxton, quanto os que refletem sobre o fascismo moderno, como Jason Stanley e Umberto Eco, veremos que o bolsonarismo, em larga medida, se enquadra nessa linha de pensamento. Podemos citar como características o desprezo pelos mais fracos, o ódio às minorias, o culto ao líder e o anti-intelectualismo”, analisa José Antonio Lima, professor de Relações Internacionais e Jornalismo.
No entanto, José Antonio não acredita que o governo Bolsonaro possa implementar um regime Fascista no Brasil. “Bolsonaro não tem capacidade de criar um sistema Fascista como os de Hitler e Mussolini nos tempos atuais. O que me parece um fato é que seu governo atua para minar por dentro instituições importantes, como a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Exército, de forma a deslegitimá-las e promover uma tomada de poder autoritária, aproveitando a polarização que ele próprio instiga na sociedade”, afirma.
Segundo o livro “Manual Antifascista” do historiador americano Mark Bray, o antifa é um militante envolvido em ações e campanhas. Segundo Bray, o perfil do antifa é “o cruzamento de visões políticas de esquerda e estratégias e táticas de ação direta que preferem não depender da polícia, da Justiça ou do Estado para barrar a extrema direita”.
As principais motivações para o ressurgimento do uso de símbolos antifascistas foram as ações de defensores do governo associadas ao neonazismo e a grupos de supremacia branca.
Em janeiro, o então secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, pediu demissão após causar polêmica utilizando trechos do discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha Nazista, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo.
Nos últimos meses, parte dos apoiadores do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) realizaram manifestações nas ruas desrespeitando as orientações de isolamento social dadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde para combater a pandemia do novo coronavírus. Nesses atos haviam cartazes pedindo intervenção militar e fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os protestos com viés antidemocrático se intensificaram depois que pessoas ligadas ao presidente passaram a ser investigadas por suspeitas de participação num esquema de produção em massa de fake news e ataques vituais nas redes sociais. O inquérito diz que “as provas colhidas e os laudos periciais apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”.
Na última quarta-feira (27), a Polícia Federal (PF) realizou operação de busca e apreensão nas casas de suspeitos. Alvo da investigação, Sara Winter lidera o grupo “300 do Brasil“, formado por apoiadores de Bolsonaro. A ativista reclamou da ação da PF em seu Twitter.
Em protesto à ação da PF, no sábado (29) o grupo de Winter realizou manifestação em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. O grupo carregava tochas acesas e vestiam máscaras de personagens de filmes de terror.
O uso de tochas e máscaras se assemelha a manifestações feitas por racistas americanos da Ku Klux Klan.
Coletivos antifascistas de torcedores de futebol em todo o país têm se articulado para várias manifestações contra a postura do governo.
No domingo (31), o protesto liderado pelos corintianos da Gaviões da Fiel contou com apoio de palmeirenses, são-paulinos e santistas na Av. Paulista (SP). Novas manifestações já estão confirmadas no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Salvador e Porto Alegre. Os militantes pretendem “disputar as ruas” com os apoiadores do presidente.
Para grande parte dos brasileiros preocupados com o avanço da Covid-19 no país, as manifestações devem seguir ainda por meio das redes sociais. “Hoje, o protagonismo das manifestações online é dos atos em repúdio ao racismo, especialmente nos Estados Unidos. Com relação as pessoas se posicionarem na internet neste momento de pandemia, é necessário que se tenha liberdade de expressão e que as empresas entendam que a opinião pessoal das pessoas não refletem a opinião institucional. O cuidado deve ser no sentido de transparência e educação para bom uso das redes sociais, especialmente no combate às notícias falsas e às mensagens ofensivas”, analisa Livia Silva.