‘Vamos combater desinformação com formação de leitores críticos’, dizem autoras de livro sobre fake news

Escritoras do livro “Como não ser enganado pelas fake news”, Flávia Aidar e Januária Alves falam sobre os caminhos no combate à desinformação para público de todas as idades no Brasil

Por Alexandre de Melo

A geração que nasceu com celulares e tablets no berço influencia todas as nossas formas de relacionamento, trabalho e produção de conhecimento. Mas como esses nativos digitais aprendem sobre as responsabilidades na hora de usar a internet e combater às fake news? E, ainda, como pais e professores ajudam no uso consciente das mídias que os jovens já utilizam desde sempre?

A educadora Flávia Aidar e a jornalista Januária Alves se aventuraram no desafio de mostrar alguns caminhos possíveis no livro “Como não ser enganado pelas fake news” (Editora Moderna).

Capa do livro didático ‘Como não ser enganado pelas fake news’

As educadoras se conheceram no programa de formação de leitores do jornal Folha de S. Paulo, o Folha Educação.

“Em 1992, criei o programa com o objetivo de formar professores e bibliotecários na organização de arquivos de jornal e na leitura de matérias jornalísticas para uso na sala de aula, nas bibliotecas escolares e para todas as disciplinas do currículo”, afirma Flávia.

Januária relembra o começo da longa parceria com Flávia.  “A minha tese de mestrado na ECA/USP foi  ‘O jornal infantil como instrumento de participação e expressão’.  Bati na porta da Folha de São Paulo e a Flávia gentilmente me incluiu no projeto Folha Educação. Desde então, lá se vão 27 anos de parceria, uma completando a outra”, diz.

A parceria também rendeu o livro “Para ler e Ver com Olhos Livres” (Editora Nova Fronteira) Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira na categoria Paradidáticos, em 2014. O livro é uma reunião de obras de 23 artistas contemporâneos brasileiros. Em 2019, Flávia e Januária elaboraram a disciplina eletiva “Muito além das fake news” para a Secretaria de Estado da Educação de S. Paulo, destinada aos alunos do ensino Fundamental II e ao Ensino Médio.

Na conversa com o blog, as educadoras falam mais sobre a importância de material didático destinado e à alfabetização de mídias e orientação contra as fake news, além dos desafios que o Brasil enfrenta para combater também a pandemia da desinformação.

 

Como nasceu o interesse por leitura e depois por educação midiática?

Januária – Nasci numa família nordestina em que se contavam muitos “causos”, especialmente as histórias “de trancoso”, ou seja, as de tradição oral. De tanto ouvi-las, logo quis escrever as minhas. Monteiro Lobato foi minha grande inspiração. Por meio dele conheci melhor os personagens do nosso folclore, a mitologia grega, com ele aprendi a ver a criança como um ser inteiro, e não um “vir a ser”, e que a leitura poderia ser uma porta para a criatividade de todo ser humano. Aos 11 anos publiquei minha primeira história no Suplemento Infantil do Diário de Pernambuco e aí começou a minha relação com os jornais, decidi ser jornalista e esse caminho deu na minha tese de mestrado, e no meu interesse no que hoje chamamos de Educação Midiática. Publiquei meu primeiro livro aos 18 anos, apadrinhada pelo Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, e desde então, não parei mais.

Flávia – Duas cenas marcaram minha infância em Franca, interior de São Paulo: a leitura aos domingos do suplemento infantil da Folha de S.Paulo e a tarefa de buscar na banca de jornal da Praça, o jornal do Sr. Miguel Aidar.  Fiz História na USP com a certeza de que queria ser professora e essa foi uma carreira de pura paixão, que contaminou também a criação do Folha Educação. Mais tarde, como gerente do educativo do Itaú Cultural no início dos anos 2000, a minha experiência se ampliou para as mídias digitais e suas múltiplas linguagens.

Como surgiu a ideia do livro?

Januária – Eu coordeno a coleção “Informação & Diálogo” editada pela Moderna.  O objetivo da coleção é abordar temas contemporâneos no  formato de almanaque de uma forma leve, deixando questões em aberto para quem quiser se aprofundar depois. Aí percebi que, diante do fenômeno da desinformação eu teria uma oportunidade de restabelecer minha parceria antiga com Flávia para desenvolver um amplo painel dos elementos que envolvem as fake news.

Flávia –  Desde o nosso trabalho na Folha, ampliamos nossa participação no debate sobre alfabetização midiática, até chegarmos ao deslocamento do suporte jornal para a notícia e a informação aonde quer que ela esteja. “Como não ser enganado pelas Fake News” foi um livro naturalmente decorrente desse processo.

Por que esse livro é importante neste momento?

Flávia – Neste momento, estamos imersos no mundo das fake news. Muitos sabem como apontar as mentiras, mas queremos orientar o leitor também para saber em quem acreditar. De forma consciente. Ou seja, dar orientação de como acreditar  na pesquisa científica e no trabalho apurado do jornalismo mantendo o senso crítico. Não é fácil. O livro “Como não ser enganado pelas fake news” é uma contribuição, um grande alerta para pais e educadores e aposta na formação de leitores críticos. Afinal, essa é a grande tarefa de qualquer instituição que se pretende educadora. O livro abre um rol de possibilidades de pesquisas sobre o tema.

Januária – Um dos feedbacks que recebemos em palestras é que ainda faltam mais materiais didáticos que falem sobre desinformação no Brasil.  Por isso, a nossa intenção é convidar o leitor a reflexão sobre o papel das notícias, da mídia e, principalmente, do seu papel e força como leitor. O livro é uma ferramenta importante na formação cidadã dos nossos jovens.

O livro é útil para diferentes públicos. No entanto, vocês pensaram um público alvo específico quando escreveram

Januária – Sim, pensamos em um público específico porque a coleção é destinada ao leitor do Ensino Fundamental II (de 11 a 14 anos). No entanto, essa é mais uma questão editorial e de mercado. É interessante perceber que o livro pode ser lido por qualquer pessoa que queira entender minimamente a questão das fake news no contexto que estamos vivendo, afinal, ele também é dirigido aos educadores (pais e professores) que estão na condução da educação da garotada.  A linguagem visual facilita essa ampla faixa etária de leitores.

Trecho do livro ‘Como não ser enganado pelas fake news’

Como vocês avaliam a educação midiática no Brasil? E o que a educação para mídias pode trazer de benefícios para o futuro do país?

Januária – Para nós, repertório cultural é fundamental no processo de formação de leitores críticos. Ou seja, as transformações da sociedade se dão com acesso aos bens culturais, à educação, à ciência e a tudo o que torna um cidadão atuante e capaz de propor transformações na sociedade.

Flávia  – No Brasil, infelizmente, essa formação tem sido sempre muito sofrível. Quando um governo destrói a cultura, seja rebaixando o ministério à secretaria dentro do Turismo, seja escolhendo secretários da qualidade que se vê à frente das pastas, tanto da educação como da cultura, não se pode acreditar que estamos indo bem. O descrédito para com as instituições como as universidades, a pesquisa, e até mesmo a Imprensa, reproduz a desigualdade social, o que só contribui para que haja alienação e desinformação em massa. Não há como se produzir um povo midiaticamente informado sem que haja o acesso amplo e irrestrito ao conhecimento produzido por toda a sociedade. Portanto, antes da educação midiática há que se ter uma ampliação do repertório leitor de todos os cidadãos, em todas as áreas.

Segundo estudo das universidades de Princeton e Nova York, publicada pela revista Science Advances, pessoas na terceira idade são as que mais compartilham fake news.

As crianças com acesso à alfabetização midiática poderiam ajudar pais e avós? Ou pessoas mais novas ensinando mais velhos  ainda é uma quebra de paradigma muito grande?

Januária – Pois é.  Outro dado que leva a esse quadro é que, segundo o IBGE, o percentual desse grupo com acesso à internet subiu de 24,7% em 2016 para 31,1% em 2017, mostrando o maior aumento proporcional entre as faixas etárias.

Portanto, é verdade que as pessoas mais velhas tendem a repassar notícias falsas mais do que outros grupos. Isso ocorre porque as pessoas mais velhas têm dificuldades de se apropriarem das mídias digitais e suas linguagens. E também porque são pessoas da época em que o que a palavra escrita era sagrada. Por isso, tendem a acreditar em tudo o que leem ampliando o estrago causado pelas notícias falsas. No entanto, é bom lembrar que não são elas que criam as fake news.

Flávia – Sendo assim, acreditamos na importância de campanhas informativas destinadas à essa faixa etária e também na importância da formação dos leitores mais jovens, que podem ser também uma fonte de troca de conhecimentos de forma intergeracional.

Somente com informação qualificada e com leitores competentes poderemos combater esse fenômeno que tanto prejuízo tem nos causado, em todas as esferas da nossa vida.

 

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