Em capítulo anterior neste módulo, já dissecamos as principais leis e propostas que procuram combater a disseminação de notícias falsas no Brasil. Mas quem fiscaliza se elas estão sendo cumpridas? Como punir quem comete crimes?
No nível federal, o Executivo pouco tem feito. Ao contrário: como você vai ver logo mais, há evidências de que ele está por trás do apoio à produção de desinformação. O Legislativo e o Judiciário, por outro lado começaram a se mexer. Vamos a um teste?
A primeira frente de batalha começou no topo do judiciário, em uma arena bastante confusa.
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vinham enfrentando críticas devido a suas decisões em julgamentos polêmicos. Até denúncias e ameaças circulavam por redes sociais, e as hostilidades chegaram ao clímax quando manifestantes protestaram com tochas na frente do tribunal.
No meio dessa escalada de tensões, o STF decidiu criar um inquérito para investigar quem postava ameaças e “notícias fraudulentas” contra seus membros e familiares. Mas isso só trouxe mais críticas, pois os ministros seriam os investigadores e julgadores de crimes em que também eram vítimas.
A pedido do STF, usuários que postavam críticas, ameaças e informações falsas tiveram contas em redes sociais bloqueadas e computadores e celulares apreendidos pela polícia federal. Manifestantes armados que acampavam na Esplanada dos Ministérios e que também eram investigados por postar informações falsas e ameaças acabaram presos em outro inquérito que investigava “atos antidemocráticos” .
Mas uma das decisões mais polêmicas desses inquéritos acabou atraindo críticas de todos os lados – até mesmo de ministros do próprio STF. Uma reportagem publicada pela revista Crusoé trazia trecho de delação premiada de executivo da Odebrecht mencionando o então presidente do STF. Logo após a publicação, o ministro responsável pelo inquérito das fake news demandou a remoção dessa reportagem por considerar que era somente uma notícia falsa.
O tiro acabou saindo pela culatra: além de atrair mais atenção para o site que se pretendia silenciar, a repercussão do caso trouxe acusações de que o STF estaria censurando material jornalístico embasado em documentos judiciais da Lava Jato.
Após reconhecer que o relato apresentado pelos jornalistas apresentava base documental, o STF reverteu a proibição. Mas o caso reforçou antigas suspeitas de que processos judiciais contra notícias falsas podem facilmente abrir a porta para censura e sufocamento de denúncias e críticas.
Não foi só o Judiciário que partiu para a luta contra os produtores de notícias falsas. O poder Legislativo também pode exercer seu poder de investigação e vigilância de outros poderes. É assim que são criadas as Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (também conhecidas pela sigla “CPMI”), em que deputados e senadores podem ouvir depoimentos e investigar documentos para denunciar crimes graves que não poderiam ser investigados de outra forma.
Depois da disseminação de desinformação e propaganda negativa ilegal por redes sociais nas eleições recentes, o Congresso Nacional criou a CPMI das Fake News em 2019. Seu objetivo era investigar “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018”. A comissão também tratou da publicação online de discurso de ódio, ameaças, mentiras e outras formas de constranger e perseguir usuários comuns e autoridades públicas.
Testemunhas ouvidas pela comissão apontaram que representantes políticos estariam conectados com redes que produzem e disseminam mentiras, ameaças e ataques contra rivais.
Também foi investigada a contratação de empresas que faziam envio massivo de mensagens sem autorização com propaganda eleitoral. Empresas como o WhatsApp apresentaram documentos comprovando a remoção de mais de 400 mil contas durante a campanha de 2018 devido ao “uso de robôs, disparo em massa de mensagem e disseminação de fake news e discurso de ódio”.
Infelizmente, nem sempre as CPIs conseguem chegar ao final com resultados satisfatórios. Outra CPI que investigava fake news na Assembleia Legislativa de São Paulo, por exemplo, frustrou seus participantes ao concluir seus trabalhos no final de 2020 sem ouvir muitas testemunhas e sem descobrir quem seriam os responsáveis “pela produção, disseminação e financiamento das Fake News nas eleições de 2018”.
Por enquanto, uma das descobertas mais impactantes da CPMI das fake news no Congresso Nacional foi justamente apontar o dedo para um apoiador frequente (e inesperado) de sites de notícias falsas: o próprio governo federal.
Documentos recebidos pelos parlamentares comprovam que, em apenas 38 dias, foram mais de 2 milhões de anúncios pagos nos piores lugares da internet, incluindo sites com conteúdo sexual, jogos de azar e até 47 canais que divulgam notícias falsas.
Esse escândalo levou à criação de novo projeto de lei para impedir que anúncios de órgãos públicos financiem sites de notícias falsas.
Afinal, o estado pode assumir sua responsabilidade no combate às fake news, desde que isso seja feito com cautela e investigações embasadas e equilibradas, evitando a arbitrariedade da censura. O primeiro passo é justamente deixar de ser parceiro de quem propaga informação falsa.
– Quer entender melhor o que é a fake science, como esses grupos se organizam e o perigo de sua crescente influência? Pesquisadores da Universidade Federal Fluminense analisam o fenômeno na pesquisa “Antivacina, fosfoetanolamina e Mineral Miracle Solution (MMS): mapeamento de fake sciences ligadas à saúde no Facebook”, publicada na Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, da Fiocruz.
– Como plataformas de vídeo online se transformaram em espaço de proliferação de informações falsas sobre vacinas? Grupo de biólogos da Universidade Federal do Rio de Janeiro analisam esse problema no trabalho “O movimento antivacina no YouTube nos tempos de pós-verdade: educação em saúde ou desinformação?”.
– Como podemos combater as notícias falsas sobre a pandemia? O pesquisador Ivan Paganotti, um dos criadores do curso “Vaza Falsiane!” analisa esse desafio no estudo “Refutação automatizada de notícias falsas na pandemia: interações com o robô Fátima, da agência Aos Fatos” .
– Por que é tão difícil mudar o voto de outra pessoa. Artigo de Rodrigo Ratier no UOL.
– Mais que combater fake news, é preciso lutar contra a manipulação emocional. Artigo de Rodrigo Ratier no UOL.
– Pós-política e corrosão da verdade. Artigo de Eugênio Bucci na Revista USP.
– Como os legisladores brasileiros procuram combater fake news? Os pesquisadores Maíra Moraes Vitorino e David Renault, da Universidade de Brasília, analisam os primeiros projetos de lei contra notícias falsas no estudo “De crime eleitoral à segurança nacional: fake news no poder legislativo brasileiro” .
– Quando começou a remoção de conteúdos considerados falsos durante campanhas políticas? Os criadores do curso “Vaza, Falsiane!” discutem o primeiro caso envolvendo fake news na justiça eleitoral na pesquisa “Entre a legalidade e a legitimidade: divergências e fundamentações na definição e bloqueio de ‘notícias falsas’ pelo TSE”.
– Como os outros países punem a propagação de notícias falsas? O pesquisador Jonas Valente, da Universidade de Brasília, classifica as principais estratégias internacionais no trabalho “Regulando desinformação e fake news: um panorama internacional das respostas ao problema”.
– o Blog do WhatsApp é o principal canal para ficar sabendo das novidades sobre o aplicativo. Vale também consultar os seguintes estudos, sobre a plataforma:
– Qual a diferença entre regulação, autorregulação, corregulação e desregulação na prática? Um dos criadores do “Vaza, Falsiane!”, Ivan Paganotti discute quem formula (e quem segue) as regras comunicacionais na pesquisa “Redemocratização e reposicionamento de instâncias reguladoras da comunicação: disputas pelo controle da mídia no Brasil” [LINK – https://doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v40n1p33-58].
– Como cada país desenvolve sua regulação da mídia – e qual a influência da política nesse processo? O cientista político Fernando Antônio Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos discute esses paralelos na pesquisa “Mídia e democracia no Brasil: relações entre o sistema de mídia e o sistema político”.
– Quer entender como outros países regulam plataformas digitais e redes sociais? Os pesquisadores Marcos Francisco Urupá Moraes de Lima e Jonas Chagas Lucio Valente, da Universidade de Brasília, apresentam um panorama das propostas mais recentes no estudo “Regulação de plataformas digitais: mapeando o debate internacional”.
– O Sleeping Giants no limiar do bem e do mal. Artigo de Joel Pinheiro da Fonseca na Folha de S. Paulo.
– Sleeping Giants é formado por casal de 22 anos do interior do Paraná. Coluna de Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo.
– O livro Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo, tem o capítulo “Desordem da informação: formatos da informação incorreta, desinformação e má-informação”, de Claire Wardle e Hossein Derakhshan.
– Para quem consegue ler em inglês ou usa bem o Google Tradutor, recomendamos o artigo Activism, Advertising, and Far-Right Media: The Case of Sleeping Giants. Os pesquisadores Joshua Braun, John Coakley e Emily West entrevistam diversos responsáveis pelo Sleeping Giants ao redor do mundo.
– Quer conhecer mais sobre os trabalhos da CPMI das Fake News? O site do Senado Federal apresenta seus documentos e resultados das sessões de investigação.
– Qual papel do poder legislativo na investigação e punição de quem propaga fake news? Os cientistas da informação Leonardo Ripoll e Fábio Lorensi do Canto, da Universidade Federal de Santa Catarina, analisam seus potenciais e limitações no estudo “Fake news e ‘viralização’: responsabilidade legal na disseminação de desinformação”.
– Por que o STF removeu conteúdos críticos de sites noticiosos – e por que isso é um problema? Ivan Paganotti, um dos criadores do “Vaza, Falsiane!”, analisa esse processo na pesquisa “Acusações, notícias ‘falsas’ e críticas na censura do site Crusoé pelo STF”. O advogado Felipe Reis Pompeu de Moraes, da Universidade Federal Fluminense, também analisa se a reação do STF neste caso foi justificável no artigo “A reportagem ‘amigo dos amigos’ é ‘fake’ ou é fato?”.