3. Leis e projetos contra fake news

Vamos começar nosso papo com um teste rápido.

Caramba… foi bem mals
Caramba… foi razoável
Caramba… foi muito bem
Quais das afirmações são “verdadeiras”

Correto!

Errado!

Já discutimos em módulos anteriores que a internet não é uma arena de vale tudo, e que as leis do espaço físico continuam valendo no virtual também. Também já vimos que fake news são um fenômeno recente, mas a disseminação de mentiras sempre existiu – e faz muito tempo que isso é crime. Além disso, nos últimos anos surgiram novas leis que tratam especificamente das notícias falsas. Ao mesmo tempo, diversas propostas são debatidas pelos legisladores e podem entrar em vigor em breve. Assim, vale a pena reforçar quais as leis que já puniam a disseminação de mentiras, quais são as novas regras nesse campo e o que pode vir no futuro.
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A internet não inventou a mentira. Antes já existia informação falsa circulando por outros canais, e a justiça pune quem cria ou espalha conteúdo ofensivo. Essas mesmas leis que proíbem a disseminação de mentiras e acusações infundadas na vida real também se aplicam ao espaço virtual.

Como já discutimos com mais profundidade em módulos anteriores, crimes como calúnia, difamação e injúria podem trazer punições como multa e até prisão.

O Código Penal brasileiro é de 1940, mas foi atualizado diversas vezes desde então. Seu artigo 138 pune o crime de calúnia, que envolve atribuir falsamente um crime a quem não o cometeu, o que pode levar a até dois anos de detenção, além de multa. Vale destacar que esse crime se aplica para quem inventa essa mentira e também para quem a divulga sabendo não ser verdade.

Também é crime a difamação, ou seja, imputar um fato ofensivo para a reputação de uma pessoa. Nesse caso, não se trata de inventar que outra pessoa teria cometido um crime inexistente, como no caso da calúnia. Trata-se somente de divulgar um boato que afeta negativamente a imagem pública de uma pessoa. O artigo 139 pune esse crime com multa e detenção por até um ano.

Finalmente, a injúria é uma ofensa contra a dignidade de uma pessoa e pode ser punido pelo artigo 140 com multa ou detenção até seis meses. Esse é um tipo de ataque mais íntimo. Ao contrário da calúnia e da difamação, que se conectam com a forma como somos vistos pelos outros (ou seja, nossa reputação), a injúria afeta a forma como uma pessoa vê a si própria (ou seja, seu decoro).

Desde 2003, esse mesmo artigo também destaca que, se a injúria envolver “elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, pode ser punida com mais severidade, incluindo reclusão de um a três anos, além de multa.

Esses crimes são parecidos e podem confundir, então vale a pena destacar as diferenças entre eles com um exemplo. Se você inventar ou divulgar por aí um boato falso que alguém roubou dinheiro, por exemplo, pode ser acusado de calúnia. Se espalhar por aí que seu colega pediu dinheiro emprestado, mas ainda não devolveu (o que, mesmo se for verdade, não é um crime, mas pode afetar negativamente a reputação dele), pode ser julgado por difamação. Se insinuar que uma pessoa é feia por causa de sua raça, pode ser condenado por injúria.

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Entretanto, essas punições tratam da reparação ao dano causado contra uma pessoa que foi o alvo direto da mentira ou da ofensa. Mas fake news às vezes envolvem personagens e locais inventados: nesse caso, quem é prejudicado?

Essas informações falsas podem trazer danos coletivos bastante sérios, mas difusos – ou seja, espalhados por toda a sociedade. O que fazer com um boato falso que sugere que uma doença séria não seria tão grave, ou poderia ser combatida com tratamentos ineficazes, sem comprovação e até danosos?

Também podem envolver uma informação que não é verdadeira, mas não necessariamente ofensiva. O que fazer, por exemplo, com um boato benéfico que indique que um representante político construiu diversos hospitais ou escolas, quando nada disso realmente aconteceu? Essa mentira pode enganar eleitores, prejudicando seus rivais numa eleição.

Para reparar essas lacunas, novas regras procuram combater efeitos das notícias falsas que não eram previstos nas leis anteriores. Em 2019, por exemplo, foi aprovada a lei 13.834, que trata do crime de “denunciação caluniosa com finalidade eleitoral”, punindo quem divulgar informação falsa contra candidato em período eleitoral.

Com pena de dois a oito anos de prisão, além de multa, essa forma específica apresenta penas quatro vezes mais severas que a forma de calúnia reconhecida anteriormente.

Esse novo crime procura evitar uma estratégia recorrente em eleições no Brasil: um partido político apresenta denúncia sem provas contra rival, vazando o conteúdo para meios de comunicação, tentando com isso afetar sua reputação e reduzir seus votos.

Vale destacar que essa lei não se aplica se a informação falsa não for publicada durante a eleição, ou se não envolver candidatos políticos. Ou seja, candidatos ainda podem publicar fake news, desde que seus alvos sejam indiretos, como por exemplo, aliados de seus rivais ou representantes do campo adversário que não sejam políticos – por exemplo, atores ou ativistas sociais.

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Desde 2016, quando os riscos das fake news se tornaram bastante evidentes, uma série de projetos de leis chegaram a ser discutidas no Congresso, nas Assembleias Legislativas e Câmara dos Vereadores no Brasil inteiro. Dois pesquisadores da Universidade de Brasília encontraram 21 propostas para combater fake news só no Congresso Nacional entre 2017 e 2018.

Eles identificaram que as propostas sugerem punições para quem cria, compartilha, divulga, transmite ou patrocina fake news. Há vários problemas nesses PLs. Os pesquisadores destacam que alguns projetos apresentam punições contra comportamentos definidos de forma excessivamente ampla.

É o caso do projeto de lei 8592/2017, que pretende punir quem compartilhar “informação falsa ou prejudicialmente incompleta, sabendo ou devendo saber que o são”. Imagine o trabalho para definir o que alguém deveria saber que é falso. Esse não é o único problema das propostas: reportagem da Agência Pública encontrou informações falsas dentro dos próprios projetos contra fake news.

Como já vimos nos módulos anteriores do curso, se não forem debatidas com cuidado, leis contra fake news podem ser usadas para cercear a liberdade de expressão.

A maioria dessas propostas pode acabar nunca sendo aprovada. Mas um desses projetos, o PL 2630 chegou a ser aprovado no Senado, em 2020. Com o apelido de “PL das fake news”, ele criaria a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. Depois de muitas críticas, alguns pontos polêmicos foram abandonados, como o registro de identidade obrigatório para todos os usuários, o que poderia acabar com a privacidade online.

Nova versão desse projeto procura remover contas falsas e robôs que se fazem passar por usuários comuns, além de punir quem utiliza disparo em massa de conteúdos por redes de mensagem – o que já é proibido durante o período eleitoral desde 2019.

Ainda assim, essa proposta continua sendo vista com cautela por quem vê no projeto um potencial ameaça à privacidade ou à liberdade de expressão na rede.

Como a experiência de outros países já mostrou antes, é melhor tomar cuidado com as leis que criamos. Leis mal formuladas podem acabar criando problemas ainda maiores do que originalmente procurávamos combater.

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@2018 Vaza, Falsiane