Até aqui, a gente espera que você já consiga reconhecer uma notícia falsa. Vamos agora aprofundar na identificação delas usando técnicas de fact checking. Também traremos dicas para não sermos passado para trás na rede. O Poynter Institute já produziu um material com essa adaptação para o público mais amplo. Trazemos neste conteúdo as melhores estratégias para correção de erros. Já neste vídeo você pode conhecer os bastidores dos serviços jornalísticos que checam boatos.
Estas são dicas rápidas para você não ser enganado na guerra cotidiana por corações e mentes que está deflagrada na internet. Porque, em uma guerra, os fatos são sempre as primeiras vítimas (isso quando ainda não se transformaram em zumbis mortos-vivos):
1) OLHE SEMPRE A DATA DO TEXTO
Há muita gente que, por inocência ou sacanagem, reposta links antigos como se o fato tivesse acabado de acontecer. O momento e o contexto em que um fato ocorre é importante para a sua compreensão. Ou seja, um ano depois, uma notícia sobre um acidente pode significar algo completamente diferente.
2) FUJA DE TEXTOS ANÔNIMOS
A chance de uma denúncia anônima e sem a fonte da informação circulando nas redes sociais (principalmente no WhatsApp) ser séria é a mesma de um jabuti escalar um poste de luz sozinho. Se recebeu uma assim, desconfie, demonstre nojinho e tome cuidado, porque ela pode morder.
3) PROCURE O AUTOR OU AUTORA
OK, o autor do texto está identificado – o que significa que ele assume a responsabilidade pelo que escreve. Mas… quem é ele mesmo? Pode ser um ilustre fake, um charmoso bot, um notório hater ou simplesmente alguém que não manja nada do que está dizendo. Nada como consultar o oráculo Google para saber um pouco mais sobre o cara ou a mina. Se for um suposto “especialista”, vale buscar o currículo na Plataforma Lattes, que traz informações sobre os pesquisadores brasileiros, para ver se o indivíduo é mesmo quem diz.
4) DESCONFIE DAS “EVIDÊNCIAS”
Para dar ares de verdade a opiniões bombásticas, muitos textos apresentam “provas” – que, para serem mais verossímeis, são geralmente respaldadas por instituições ou autoridades. Muitas vezes, dizer que “a Justiça mostrou que Fulano de Tal recebeu milhões de tal partido”, “a Polícia Federal descobriu que Beltrano tem altas contas na Suíça” e coisas do tipo ajuda a envernizar uma mentira. Como o papel branco e a tela vazia aceitam tudo, não custa nada tirar mais uma vez a prova no Google para ver se as evidências são mesmo reais. Evidências 100% confiáveis de orelhada, só no clássico do Chitãozinho & Xororó.
5) BUSQUE O CONTEXTO
Quando alguém tenta desacreditar uma ideia, costuma pinçar uma frase ou uma imagem fora de seu contexto e utilizá-la para construir seu argumento. Como parte das pessoas foi condicionada a agir passivamente diante do discurso de quem elas confiam, elas acabam acreditando no novo significado que o sujeito tentou impor com essa descontextualização. Ou seja, na dúvida, Google nele para saber em que contexto aquele fato aconteceu.
6) NÃO SEJA INGÊNUO, LEIA
Ler um texto até o final é fundamental. O título, a foto e legendas não são capazes de trazer toda a complexidade de um argumento. Se não tiver tempo para ler, não o compartilhe ou o curta. Você pode, sem querer, estar difundindo uma peça de racismo ou de violência contra a mulher. Ou pagando um mico cabuloso porque levou a sério uma ironia ou brincadeira presentes no título.
7) NÃO SE DEIXE LEVAR POR QUEM ESCREVE BONITO
O texto pode até estar te xingando de uma forma doce e você nem vai perceber se não observar atentamente o significado das palavras que o autor escolheu. Além disso, fique atento: uma pessoa pode escrever com certeza absoluta no que diz e estar completamente errada.
8) CUIDADO COM OS SITES FANTASMAS
Não é porque um site publicou um assunto com uma abordagem com a qual você concorde que ele é honesto ou faz bom jornalismo. Na internet, não raro, as pessoas tratam como “verdade” aquilo com a qual concordam, e como “mentira” tudo aquilo do qual discordam. Procure um “quem somos” ou um “expediente” e veja quem trabalha lá. Sites jornalísticos sérios costumam mostrar seus responsáveis, além do endereço ou telefone para que sejam encontrados. Se não encontrar, desconfie.
9) NÃO SE APEGUE ÀS IMAGENS
Até uma criança ainda não alfabetizada é capaz de manipular uma foto com aplicativos on-line. Então, por que você acredita que uma imagem é uma prova irrefutável de um argumento? Ao mesmo tempo, ao editar uma imagem, deixando partes dela de fora, exclui-se desafetos ou cria-se a impressão de multidões onde elas não estavam. Pouca gente sabe, mas o Google Imagens tem um mecanismo bem legalzinho. Na caixa de busca, clique no ícone de máquina fotográfica e escolha a imagem do qual você desconfia. O robozinho vai mostrar imagens parecidas – ou iguais – e informar de qual site elas foram tiradas. É um jeito de você rastrear de onde ela veio, se foi alterada etc.
10) LEIA COISAS DAS QUAIS DISCORDA
Não é porque você não concorda com uma opinião ou informação presentes em um texto bem fundamentado que ele não merece ser lido. Considere que o mundo é mais complexo do que você pode imaginar e que a pluralidade de ideias, desde que não desejem a morte de ninguém, ajuda a crescermos como sociedade. O contrário disso se chama ditadura. De esquerda ou de direita.
Vamos ver se você pescou todas as informações acima?
Preencha as lacunas, arrastando os boxes com as palavras abaixo para completar a frase, que faça sentido para resumir esse tópico.
Se você começar a ler uma notícia qualquer, veja imediatamente a já que notícia antiga não é capaz de prever futuros. Além disso, saiba quem escreveu, pois a é crucial para identificar a seriedade da informação. Se nada disso estiver claro, desconfie das , entenda o e, acima de tudo, todos o texto antes de compartilhar.
Um boato cresce como uma bola de neve: começa pequeno, vai ganhando tamanho e fica cada vez mais difícil de conter sua difusão. Se uma quantidade grande o suficiente de pessoas acreditar em algo e resolver passar isso para frente, essa avalanche pode acabar soterrando o nosso espírito crítico: afinal, se fosse falso, por que tanta gente acreditaria nisso?
Mas como já vimos antes, não podemos determinar a verdade de uma afirmação pela quantidade de pessoas que acreditam nela: muita bobagem conta com hordas de adeptos, e informações precisas às vezes são conhecidas por poucos especialistas.
O maior problema da reação em cadeia é que, uma vez que esses boatos são disparados e compartilhados massivamente, fica quase impossível conseguir negá-los. Isso acontece porque nem sempre a mentira tem pernas curtas – e poucos reconhecem suas mancadas.
MENTIRA NA VELOCIDADE DA LUZ
A primeira dificuldade na corrida contra as notícias falsas é que o apelo delas costuma ser quase irresistível. Informação jornalística de verdade, assim como a vida real, raramente é do jeito que a gente quer: sempre tem complexidades, dúvidas, contrapontos, incertezas. Mas quem não tem o compromisso com a realidade pode moldar a informação para que ela se encaixe perfeitamente aos nossos preconceitos e ideologias, atiçando nosso desejo de compartilhar e dizer para todo mundo “tá vendo? O mundo é assim mesmo como eu pensava!”
Uma pesquisa do MIT a partir de postagens no Twitter revelou que informações falsas se espalham mais rapidamente – e para mais pessoas – do que informações verdadeiras, principalmente quando tratam de política. Mas as correções das informações falsas enfrentam ainda outra dificuldade: nosso medo de reconhecer erros.
Se um texto diz algo que você sempre quis ouvir, e parece provar definitivamente suas opiniões, há uma chance grande que você queira que todo mundo tenha acesso a essa história e reconheça que você estava certo. Você compartilha o texto e marca meio mundo para provar que estava certo. Vitória triunfal.
Tudo fica diferente se aparecem sinais de que essa informação era falsa. Nem todo mundo consegue lidar com a responsabilidade de corrigir um erro e pedir desculpas. É mais fácil se fingir de morto e não falar nada, porque nem todo mundo sabe reconhecer que falhou. E com isso muita gente que recebeu a informação incorreta a partir de sua postagem fica sem saber a correção.
CETICISMO SELETIVO
Pior que fingir de morto é atacar o mensageiro. Se alguém nos avisa que podemos ter cometido um erro, às vezes parece mais conveniente duvidar de quem corrige do que de quem nos passou a informação em primeiro lugar. Afinal, nós já investimos emocionalmente nossa credibilidade nessa informação – quem ousaria nos criticar?
Muitos boatos viralizam justamente porque confirmam preconceitos bastante difundidos. Quem espalha essas histórias desconfia automaticamente de quem contesta a veracidade dessas informações. Afinal, se estão negando uma história que provaria sua opinião, isso pode significar que sua opinião também esteja sendo ameaçada.
Isso cria um ceticismo seletivo: duvidamos de quem nos questiona, mas confiamos em quem concorda conosco. Assim, corrigir boatos se torna um trabalho desgastante, porque muita gente vê a contestação dessas mentiras como uma ameaça, ou até um ataque pessoal, e reage de forma bastante defensiva.
No livro A verdade sobre os boatos, o pesquisador Cass Sunstein aponta que reparar enganos pode ser pouco eficaz ou até sair pela culatra, já que “a correção de ideias falsas pode aumentar nossa fidelidade a elas”. Em diversos casos, pessoas que se baseiam em informações incorretas reforçam suas crenças quando se tenta apontar evidências que provem seus enganos. Se alguém grita truco, rapidamente o outro lado pede seis para não revelar o blefe.
Quem só queria ajudar, mostrando que uma informação estava incorreta, enfrenta hostilidade e desconfiança. Já quem tentou (e conseguiu) te enganar, contou com seu apoio para te prender nessa armadilha. E vale lembrar: se você usar informação incorreta ou imprecisa para tomar uma decisão importante, isso pode resultar em uma escolha que não seja boa para você, mas seja ótima para quem te passou a perna.
CONFIANÇA NAS PESSOAS, NÃO NOS FATOS
Nem sempre quem corrige, apanha. Dependendo de quem é o mensageiro, e do quanto confiamos previamente em suas posições, pode-se finalmente conseguir convencer alguém de que suas fontes de informação estão contaminadas.
Mais uma vez, Sunstein sugere um caminho complicado para convencer alguém de seu erro. Fatos são insuficientes, mas a fonte da correção importa. Em diversas pesquisas empíricas, as pessoas só aceitavam correções quando vinham de veículos da mídia tradicional ou de pessoas de sua confiança.
Seguindo essa abordagem, não adianta mostrar números, gráficos, fotos ou vídeos para provar que um amigo seu está errado. O que vai convencer mesmo é indicar que até aquele site ou aquela pessoa que costumam ter as mesmas opiniões dele já reconheceram que a informação é falsa.
Considerando essa pequena abertura na nossa tradicional resistência em reconhecer nossos erros, Sunstein identifica em quais casos o esforço em corrigir boatos não seria inútil:
“Se os que ouvem o boato falso não têm motivos fortes para acreditar nele, se o conhecimento prévio sobre o assunto é pouco ou não existente, e se eles confiam em quem está apresentando a correção, então as correções dissiparão os boatos falsos”.
Não é um cenário muito otimista. Mas pode ajudar na hora de escolher quais batalhas de refutação on-line valem a pena serem travadas. Não adianta ficar frustrado ou furioso se o outro lado não reconhecer seus erros. Resta a esperança que algumas pessoas tenham evitado a radicalização e confiem na sua palavra. Só assim podem aceitar te ouvir e ver com outros olhos seus próprios pontos fracos.
Como verificar um fato? Este vídeo revela os bastidores do trabalho dos jornalistas que fazem a checagem de informações nas agências de notícias. Os repórteres explicam a importância de comparar dados e fontes oficiais para não cair em conversa mole. Conhecendo melhor essas técnicas, é possível perceber o que deve ser feito para se evitar propagar mentiras – e pegar no flagra quem está tentando te enganar.