Se você já conhece os conceitos básicos da comunicação, este módulo irá lhe ensinar como identificar notícias falsas (as famosas fake news). Para isso, desenvolvemos este conteúdo em 4 etapas:
Ao final do módulo, seus conhecimentos serão testados. Isso tudo para te ajudar a ser um bom combatente que irá contribuir com a diminuição de notícias falsas.
Primeiro, você vai aprender o que acontece quando alguém sai espalhando informações incorretas por aí. Vai descobrir a razão pela qual isso pode ser um pesadelo para os bons jornalistas, mas é o mundo dos sonhos de quem quer mesmo te enganar. Você vai ver também: por que o erro fica entalado na garganta dos jornalistas sérios, mas é o arroz com feijão de quem espalha fake news; o que os profissionais da imprensa fazem para verificar as informações, apurando os fatos; como você pode detectar sites e informações suspeitas pela internet; quais são as consequências quando comunicadores passam para frente uma informação incorreta; o que acontece do lado das vítimas dessas inverdades, acompanhando um depoimento exclusivo do ator Wagner Moura; e como a mídia alternativa também pode ser fonte de informação e combater as mentiras.
Pronto para começar?
Jornalistas profissionais não são perfeitos. Eles são pessoas como nós, e por isso, cometem erros também. O que distingue um jornalista picareta de um profissional (alguém que trabalha para veículos sérios grandes ou pequenos, tradicionais ou alternativos, independentes ou corporativos) é a frequência e a gravidade de dos seus erros – e o que fazem para reconhecer e reparar seus deslizes.
Todo meio de comunicação pode errar, mas irá pagar um preço por isso. A sua imagem é como um prédio, e cada erro representa uma pequena rachadura. Se muitas se acumularem, ou alguma delas for muito grave, um trabalho construído durante anos pode ir ao chão de um dia para o outro. Reparar erros demanda custo e energia, mas é indispensável, pois o maior patrimônio de um meio de comunicação é a confiança do seu público. Quem vai confiar num prédio cheio de rachaduras se ninguém se dá ao trabalho de arrumá-las?
Já um site ou canal picareta é o oposto disso. Quando erra ou compartilha bobagem, põe a culpa na fonte original, o que é equivalente a passar uma mão de tinta e dizer que consertou a rachadura. Isso quando não se finge de morto ao ser pego no flagra. Ao contrário de um meio de comunicação confiável, o picareta geralmente não está nem aí para os próprios erros.
O problema é que, à primeira vista, todos os links nas redes sociais parecem iguais. Todos os “prédios” têm a mesma fachada, e os picaretas contam com essa confusão para passar suas notícias adiante. Como distinguir uma fonte confiável de outra que deveria estar condenada faz tempo?
A RECEITA PARA INFORMAÇÕES DE QUALIDADE
Não existe uma única forma de fazer jornalismo; um método sem risco para apurar e contar uma história. Jornalismo não é uma ciência exata, mas alguns dos princípios da profissão tentam evitar a propagação de notícias incorretas, porque seus erros podem impactar a vida de muitas pessoas.
Conhecer esse padrão de qualidade pode aumentar a cobrança do público para que os jornalistas façam o melhor trabalho possível, e pode evitar que muita gente seja enganada quando encontrar essas lorotas por aí.
Uma das melhores formas para distinguir um veículo de comunicação sério de outro que só pretende te enganar é justamente quando um erro é publicado. Jornalistas de verdade, quando erram, não demoram para reconhecer o tropeço, corrigem a informação e procuram reparar esse deslize.
Bons veículos de comunicação têm canais abertos com leitores justamente para quem pretende apontar imprecisões: pode ser por telefone, e-mail ou até com um profissional responsável, chamado ombudsman, para ouvir as reclamações do seu público. Justamente por ser exceção, e não a regra, é tão importante consertar esses erros quando eles ocorrem.
QUEM NÃO CORRIGE ERROS NÃO SE IMPORTA COM SEUS EFEITOS NOS OUTROS
Agora, você não vai encontrar essa mesma preocupação nos meios de comunicação que publicam qualquer coisa, de qualquer jeito. Como eles não ligam para a qualidade da informação (ou pior, querem mesmo enganar), não estão nem aí para quem aponta o dedo criticando.
Reconhecer erros é parte do exercício de humildade de todo bom jornalista, que faz de tudo para evitar essa vergonha, mas sabe que pior ainda é fingir que nada aconteceu. Essa é também uma forma de mostrar que são responsáveis pela informação que coletaram e que passaram para nós; só assim eles podem manter seu público e fontes ao longo do tempo.
Outra questão vai ainda mais fundo:
os jornalistas não são, eles mesmos, fontes de informação. Na verdade, eles são aqueles que organizam e levam ao público fatos vindos de fontes diversas, tais como pesquisadores, órgãos do governo, empresas, representantes políticos ou testemunhas que presenciaram esses fatos.
Assim, é importante ter bastante claro qual é a fonte do jornalista: onde ele foi procurar essa informação. Quanto mais sabemos sobre as fontes de uma história, melhor podemos avaliar se as suas informações são confiáveis.
Será que essa fonte tem algum interesse particular sobre a questão? Essa informação foi coletada de primeira mão, ou alguém está falando o que ouviu de outra pessoa, como em um telefone sem fio? Será que não é importante considerar outras posições diferentes sobre o que foi relatado? Todos os lados envolvidos foram consultados? É possível checar essa informação com outras fontes?
Essas perguntas são essenciais na hora de avaliar se a história que nós estamos lendo está bem apurada, se está faltando algumas partes, ou se o boato não tem pé nem cabeça.
“OFF”: E SE A FONTE NÃO PODE SER REVELADA?
Se as fontes não são identificadas, precisamos de ainda mais cautela: nesse caso, a história irá se sustentar apenas pela reputação do próprio jornalista que foi encontrar essas informações e pela credibilidade do veículo no qual ele a publicou.
Isso pode acontecer, por exemplo, quando a fonte de informação tem medo de sofrer punições por denunciar um crime, por exemplo. Mesmo quando os informantes não se identificam — o que em jornalismo se chama de “off the record” –, há regras a seguir.
Há dois tipos de off.
Mesmo elas não querendo se identificar, ter o mesmo relato por diferentes fontes o torna mais robusto. Ainda assim, nada supera a informação de cara limpa, em que o entrevistado dá nome e sobrenome e se responsabiliza pelo que diz.
AUTORIA: QUEM SE RESPONSABILIZA POR ESSE TEXTO?
Mas o que fazer se nem o jornalista se identifica? Aí, é preciso ter muito cuidado.
Se não conseguirmos achar os responsáveis pelo site em que essa informação for divulgada, nossa desconfiança deve ser redobrada. Quem não se identifica na hora de passar uma informação pode não ter nada a perder se descobrirmos que ela era pura mentira.
É preciso deixar bem claro que existe uma diferença entre erros cometidos eventualmente por meios de comunicação sérios e os sites que são criados propositadamente para espalhar notícias falsas disfarçadas de jornalismo.
Para o leitor desavisado, essa diferença pode não parecer tão evidente. Pode parecer difícil identificar os sites falsos, já que, basicamente, eles se esforçam muito em parecer verdadeiros. É justamente assim que eles tentam nos enganar, usando a mesma linguagem e a mesma aparência dos sites que estamos acostumados a ler e que passamos a confiar.
O problema é o que está por trás dessa fachada. Os sites e páginas sérios se esforçam bastante para apresentar a melhor informação possível pois, se eles cometerem erros, podem sofrer consequências legais, como processos, multas e até prisão. Além disso, o público pode perceber que esse canal não vale o tempo perdido e procurar informação em outros lugares.
É por isso que muitos sites e páginas de notícias falsas não deixam claro quem é responsável pelo conteúdo que publicam: eles não querem dar a cara a bater e correr o risco de sofrer processos por causa dos seus conteúdos incorretos.
Esse é justamente um dos sinais de alerta para identificar quem é sério e quem está de brincadeira: se você não consegue encontrar o autor do texto ou os responsáveis pelo site, fique alerta! Não dá para confiar em quem trabalha muito para se esconder.
A ISCA PARA PESCAR SEU CLIQUE
Um meio de comunicação verdadeiramente sério tem um nome a zelar: sua reputação foi construída com muito suor, revelando histórias impactantes, importantes e precisas. Os jornalistas também se preocupam com sua credibilidade, e, por isso, se esforçam ao máximo para não manchar seus nomes.
Já os veículos falsos e anônimos não têm nenhuma dessas preocupações, e, assim, podem simplesmente continuar publicando mentiras até o ponto em que seu público passa a não voltar mais.
O complicado é que, com as redes sociais, muitos desses sites falsos perceberam que parte do seu público é visitante de primeira viagem mesmo. São pessoas que chegaram ali ao entrarem em um link recebido em uma mensagem de um amigo, clicam por curiosidade em uma imagem bizarra publicada em alguma rede social, ou descobrem um site desconhecido ao fazer uma pesquisa.
Para muita gente, parece que não faz diferença se o site é completamente estranho: afinal, são tantos sites na internet que não dá para conhecer todos. Os sites falsos contam com esse tipo de raciocínio e constroem sua armadilha.
A ZOEIRA NÃO TEM FIM, MAS A PACIÊNCIA, SIM
Enquanto eles conseguirem fisgar muitas pessoas, vão continuar jogando iscas como essas histórias malucas. Quando muita gente começar a descobrir que não dá para confiar neles, é um sinal de que o nome deles está sujo demais: eles não enganam mais ninguém.
Afinal, a fonte da mentira parece não ter fim, mas paciência tem limite; uma hora, a confiança também acaba. Mas muitos sites simplesmente fecham e abrem com outro nome e outro visual, como se nada tivesse acontecido. Com essas novas roupas, continuam enganando muita gente que já começava a desconfiar desses trapaceiros.
O que fazer, então? Precisamos manter uma desconfiança sempre, mas principalmente quando encontramos um veículo que não conhecemos. Credibilidade é essencial, e ela só pode ser garantida se sabemos com quem estamos falando e de onde vem nossa informação: quem se esconde na hora de passar para frente suas “informações” não merece nossa confiança ou atenção.
Lembre-se que anonimato não garante impunidade, apesar de parecer fácil fazer mau jornalismo.
Qualquer um pode escrever de qualquer jeito uma história baseada no que se ouviu por aí, sobre um tema que até chama a atenção, mas, na verdade, não tem a menor relevância.
Os riscos dessa divulgação desleixada são bastante graves justamente por parecer tão fácil sair por aí espalhando para todo mundo impunemente as maiores mentiras. Jornalismo com histórias fresquinhas e importantes, informações bem apuradas e escrito de forma envolvente não é para qualquer um.
Mas não pode acontecer nada com quem nos engana?
Como você vai ver no final do curso, a internet não é uma terra sem lei, e mesmo os sites que parecem não ter um responsável são registrados e podem sofrer punições.
Jornalistas que cometem erros e destroem vidas também acabaram com suas próprias carreiras. Quem resolve se esconder atrás de uma máscara e se disfarçar de jornalista para nos enganar pode correr o risco de ser descoberto no flagra e acabar pagando caro pelos seus erros.
Como distinguir jornalismo de verdade de sites e canais de fake news?
Este vídeo explica o trabalho que os jornalistas têm para garantir que você tenha acesso à informação mais bem apurada, checada e contextualizada. O vídeo também conta o que a imprensa séria, seja ela grande ou pequena, tradicional ou alternativa, deve fazer para reparar seus erros – uma responsabilidade que nunca é assumida por quem não liga para a qualidade da informação que passa para frente.
Alguém acabou de te passar um link para um site que você não conhece com uma história inacreditável. Ou você descobriu esse site com informações incríveis no meio da sua pesquisa. Talvez você tenha encontrado um papo escabroso depois de clicar em uma postagem de um amigo seu que está acima de qualquer suspeita.
Mas… dá para confiar? Esse é o ponto
Vamos listar aqui um kit de sobrevivência com uma série de perguntas para você não se perder na selva das notícias falsas. Melhor que canivete suíço, essa série ajuda a destrinchar suas fontes de informação, separando os sites, páginas e contas em redes sociais confiáveis daqueles que não devem valer sua atenção. Essas questões podem ser usadas por você como um guia rápido para pesar a qualidade das suas fontes noticiosas.
Essa série de perguntas analisam basicamente os seguintes pontos: título da notícia, autoria, linguagem utilizada, fontes de informação, presença de pontos de vista, critérios de escolha da notícia, gênero sob o qual foi escrito, os responsáveis pela divulgação, contato dos autores e presença de pequenos erros gramaticais.
Para confiar na notícia, o ideal seria ler e responder todo esse checklist de informações com um grande e sonoro SIM! Mas, mesmo veículos confiáveis podem, às vezes, ter algumas respostas negativas – nesse caso, vale manter um pouco de desconfiança e sempre lembrar a importância de checar informações em outras fontes.
Agora, se o site acumular muitas respostas negativas, você também vai ter achado a solução para seu questionamento: NÃO DÁ PARA CONFIAR! Vamos às perguntas desse kit de sobrevivência:
1) TÍTULO
– O título evita estratégias apelativas?
Quem ESCREVE TUDO EM CAIXA ALTA, apela demais para nossas reações emotivas (como fúria, compaixão ou medo) ou incita nossa curiosidade, prometendo revelar um segredo, uma conspiração ou “o que os outros não querem que você saiba”, pode estar tentando baixar nossa guarda para passar adiante um boato.
– As informações do texto sustentam o que o título afirma?
Se o título insinua uma coisa, mas o texto não consegue provar, não dá para confiar.
– O título resume de forma equilibrada a história ou as ideias retratadas no texto, sem desprezar detalhes importantes?
É uma pegadinha clássica: o título diz que alguém está envolvido em um crime, mas lendo o texto se descobre que a denúncia ainda nem foi investigada pela polícia, ou que foram pessoas que trabalham para esse indivíduo que podem estar sendo alvo de um processo. Repare que não é bem assim…
2) AUTORIA
– O autor do texto está identificado?
Nem todos os artigos têm sua autoria identificada. Muitos jornais e revistas deixam alguns textos mais simples, como pequenas notas, sem identificação de autor. Alguns editoriais, por representar a posição do veículo de comunicação como um todo, também não têm uma autoria individual.
Mas nesses casos quem garante as informações e ideias é o próprio veículo que as publica. Se um site tem muitos textos sem autoria, tome um pouco de cuidado e verifique se a credibilidade desse veículo é boa o suficiente para bancar todas essas informações.
– As imagens têm crédito de autoria?
Além de reconhecer o trabalho do fotógrafo, o crédito da imagem ajuda a identificar o contexto em que essa imagem foi produzida. Sites que não identificam suas imagens podem tentar tirar uma foto do seu contexto para insinuar algo bastante diferente.
3) LINGUAGEM
– A linguagem respeita as regras gramaticais?
Um texto que atropela a ortografia, não respeita acentuação ou concordância pode ser sinal de desleixo. Se o autor não se preocupa com as regras gramaticais, será que ele se importa com a qualidade da informação?
Lógico que isso não quer dizer que alguém que desconhece as regras gramaticais não pode falar a verdade: em um país como o nosso, com tantos problemas na formação escolar, não podemos desprezar a expressão de quem pode não ter tido oportunidade de aprender a escrita formal. Vale a pena também tomar cuidado com o oposto: afinal, um discurso empolado, cheio de palavras difíceis, pode disfarçar sua falta de substância.
– O uso dos termos é equilibrado e preciso?
Linguagem informal, com gírias ou excesso de adjetivos, pode sinalizar um texto menos informativo e mais próximo do apelo para nossas emoções. Também é importante tomar cuidado com textos cheios de generalizações e exageros. Nesse sentido, é importante se esforçar para perceber se o autor realmente quer dizer o que parece. Será que ele não está usando de ironia ou sarcasmo? Cuidado para não levar a sério uma piada!
4) FONTES
– O texto identifica suas fontes?
Textos que não identificam suas fontes precisam ser considerados com muita cautela, porque é delas que vêm a informação apresentada. Quanto maior a credibilidade da fonte, maior a força da informação. O reverso também é verdade: fontes com histórico de mancadas não merecem nossa confiança.
Como o texto-base já explicou, em alguns casos as fontes podem pedir para não ser identificadas por medo de sofrer consequências. Mas como quem garante essas reportagens é o autor do texto e o jornal, é importante que eles tenham confirmado essas informações com a maior quantidade possível de fontes – e seria bom que algumas delas aceitassem se identificar para assumir a responsabilidade pela informação.
– É possível checar a informação em outras fontes?
Se a história parece muito diferente do que você já conhece ou viu por aí, suspeite. Vale a pena confirmar a informação em outro meio de comunicação que você já conhece e no qual confia. Se for uma história importante, vai aparecer no radar dos grandes veículos, que vão tentar confirmá-la ou desmenti-la.
Cuidado com informações que só saem em poucos veículos desconhecidos: uma prática comum dos sites de fake news dos mesmos donos é replicar a mesma informação em diferentes endereços, o que dá uma aparência de que certa história está confirmada por várias fontes. Mas, na verdade, é um só mentiroso que espalha o mesmo boato em vários canais que ele controla.
5) PONTOS DE VISTA
– O texto traz uma variedade de pontos de vista para compreender essas informações?
Se o texto só mostra uma perspectiva, vale a pena procurar outras posições antes de achar que a questão já está resolvida. É preciso também tomar cuidado com a impressão de pluralidade: diversas pessoas diferentes são apresentadas, mas, na verdade, elas apresentam quase as mesmas opiniões, divergindo muito pouco.
Também não dá para ter um debate e só chamar os dois extremos que se odeiam e não concordam com nada – nesse caso, faltou gradações no meio, menos radicais. Para realmente contrapor opiniões polêmicas, é importante se ter várias visões diferentes, e não só uma ou duas.
– As posições essenciais dos envolvidos nessas histórias foram contempladas de forma equilibrada?
É um princípio básico do jornalismo: não dá para ignorar quem é diretamente envolvido na história. No caso de uma denúncia, é obrigatório ouvirmos o lado do acusado, para que ele possa se defender. Se é uma questão que impacta alguns grupos sociais, seus representantes precisam ser também escutados.
Interesses econômicos ou políticos precisam ser considerados, mas quem defende uma proposta não pode ter o monopólio da fala (ou seja, ser a única fonte): para manter o equilíbrio, é preciso entender também o ponto de vista de quem se opõe. História com um lado só é propaganda, não é jornalismo.
6) CRITÉRIOS
– As informações foram contextualizadas?
Só dá para entender um dado, uma história ou um ponto de vista se o meio de comunicação apresentar seu contexto. Sozinho, qualquer número, informação ou ideia pode não fazer sentido algum. Se explicarmos a realidade em que elas se inserem, ou se as compararmos com outras situações, o público pode compreender melhor do que se trata.
– O texto explica os critérios que foram adotados para selecionar suas fontes ou interpretar essas informações?
Infelizmente, essa é quase uma questão bônus, porque são poucos os veículos jornalísticos que explicam com transparência como foi feito o trabalho de apuração. Mas em algumas reportagens, em particular, é essencial explicar a coleta e a interpretação dos dados, como no caso das pesquisas de opinião e na análise de estatísticas.
Um texto que diz que metade das pessoas é a favor de certa questão precisa explicar como essa informação surgiu: se poucas pessoas responderam à pesquisa, e se foram ou não seguidos critérios estatísticos sérios. Caso contrário, essa informação não tem muita relevância e não pode ser considerada como cientificamente fundamentada.
Como no caso da ciência, o jornalismo também precisa tomar cuidado com o que faz para “provar” seus argumentos – caso contrário, pode acabar provando que está apenas tentando nos enganar.
7) GÊNERO
– Esse veículo deixa claro qual é o espaço de publicidade, informação e opinião?
Para evitar trocar gato por lebre, o público precisa saber claramente qual conteúdo é promoção de produtos, serviços ou propaganda política explícita. Também é importante destacar os espaços próprios para a exposição de opiniões de colunistas, análises e artigos de convidados – os quais não podem ser confundidos com as reportagens e notícias mais factuais.
– Está claro se esse texto só narra fatos ou abre espaço para as opiniões do autor?
Nada contra opiniões, mas é importante podermos separar quando estamos ouvindo uma perspectiva particular do autor do texto e quando são narradas somente as informações factuais ou as opiniões das fontes entrevistadas.
8) RESPONSÁVEIS
– O site apresenta quem são seus responsáveis?
Procure por uma seção que apresente “Quem somos”, “Nossa equipe”, “Expediente”, “Sobre nós” ou algo semelhante. Quem se responsabiliza pelas informações e opiniões publicadas não tem vergonha de se identificar e informar seu endereço real ou telefone de contato.
Se os responsáveis pelo site não se apresentam, eles podem ter alguma coisa para esconder: isso não evita processos, mas é uma grande falta de transparência.
– As pessoas ou instituições ligadas a esse site são conhecidas e têm uma boa reputação?
Uma vez que você descobre quem é responsável pela sua fonte de informação, vale a pena checar se você conhece algum deles. Você pode fazer buscas por meio de ferramentas de pesquisa para ver se essas pessoas estão envolvidas em problemas ou se tem um bom nome a zelar.
Credibilidade é a maior ferramenta para a reputação de um jornalista: é o que faz com que suas fontes aceitem contar suas histórias, porque confiam na seriedade de seu trabalho na hora de traduzir suas vidas em suas palavras. O público também constrói uma relação de confiança com comunicadores quando acompanham suas histórias e se acostumam a encontrar informações corretas em seus relatos.
Isso não quer dizer que jornalistas menos conhecidos sejam desonestos; só demanda mais cautela na hora de acompanhar seus trabalhos.
9) CONTATO
– O site está aberto para o contato com o público?
Veículos sem abertura para diálogo com o público podem não estar muito preocupados com contestação, crítica ou até em perceber seus deslizes. Afinal, como alguém vai poder alertar que encontrou algum erro se nem existe canal de diálogo? Pode ser por comentários, formulário de contato, telefone, e-mail ou endereço físico, mas é importante ter uma abertura para que o público possa reclamar se perceber que tem algo errado.
– Os comentários dos leitores são um espaço verdadeiro de diálogo?
Comentários e cartas do público podem ser um mecanismo importante não só para entrar em contato com o jornal: permitem também a formação de uma comunidade de leitores que trocam seus pontos de vista entre si. Alguns bons comunicadores fazem questão de dialogar com seu público – repare o tom adotado entre as partes.
Se o espaço de diálogo for respeitoso e os debates e críticas forem apresentados de forma construtiva, é um sinal de que as pessoas não estão escrevendo de cabeça quente e se preocupam com os melhores argumentos racionais (e não com apelos emotivos, ofensas e ameaças). Isso não quer dizer que todos devem concordar: pelo contrário, os comentários parecerem todos muito semelhantes é um sinal negativo de que você caiu no meio de uma bolha de gente que pensa do mesmo jeito.
Por ser algo muito raro e fora do controle dos veículos, essa questão não é tão obrigatória, mas é um bom indício de um veículo com uma comunidade diversificada e positivamente integrada.
10) ERROS
– Erros são identificados explicitamente? Eles são corrigidos?
Como visto anteriormente, é impossível ter um meio de comunicação sem o risco de cometer erros. Mas o que separa um bom veículo de quem só tenta te enganar é o que eles fazem quando descobrem o erro. Quem se preocupa com a qualidade da informação veiculada vai reconhecer o erro e corrigir a informação.
Em casos de erros mais graves, pode ser necessário se desculpar ao público leitor e aos que sofreram as consequências desse deslize, reparando os danos causados. Casos ainda mais problemáticos podem demandar maior transparência dos veículos, que podem ter que prestar contas para explicar por que esse erro ocorreu e que medidas serão tomadas para evitar que essas falhas se repitam.
Erros assim são momentos de crise, mas podem ser também uma oportunidade para os comunicadores envolvidos se reaproximarem de seu público com humildade para melhorar suas práticas. Já quem não liga para a qualidade da informação que passa para frente (ou quer mesmo te tapear) nunca vai dar o braço a torcer. Pior: pode querer insistir no erro, partindo para a ofensiva ao tentar desacreditar seus críticos com ofensas e ameaças.
– Há canais para a crítica sobre o próprio veículo, como cartas, comentários ou um ombudsman?
Além das críticas que vem de fora, bons veículos de comunicação também podem ceder espaço para que convidados de fora ou seus próprios funcionários possam mostrar suas divergências. Isso permite maior abertura para pontos de vista divergentes, e mostra que as abordagens adotadas podem não ser a única escolha, ou muito menos a melhor opção para outras pessoas.
Um dos caminhos é o direito de resposta ou o direito de réplica, quando alguém é acusado ou criticado e tem o direito de defender sua posição. Outro modelo pode ser a publicação de artigos que façam a crítica das posições ou informações veiculadas pelo próprio veículo de comunicação, permitindo ao público tirar suas próprias conclusões.
Infelizmente, poucos meios de comunicação no Brasil tem um responsável próprio por fazer esse trabalho de crítica interna. Esse responsável é o chamado ombudsman, um funcionário pago pelo meio de comunicação para defender os interesses do seu público, apresentando críticas contra o veículo e cobrando correções ou aprimoramentos.
Quem não está nem aí para as críticas, porque sabe que suas publicações não têm a menor qualidade, não vai dar toda essa abertura para contestação, pois, no fundo não está preocupado em melhorar suas informações.
Todo mundo sabe que uma mentira pode causar problemas! Mas quais? Faça o teste e veja se você conhece o que aconteceu depois que essas notícias inverídicas circularam no Brasil:
1) BEBÊ DIABO
“Nasceu o Diabo em São Paulo – Bebê com chifres, rabo e falando”.
Essa foi a manchete de capa do Notícias Populares, o mais famoso jornal sensacionalista de São Paulo, no dia 11 de maio de 1975.
A reportagem do jornal deu detalhes sobre o parto e descreveu o bebê como cheio de pelos e portador de dois chifres pontiagudos e um rabo de cinco metros. Além disso, o jornal “apurou” que o bebê-diabo nasceu falando, ameaçou a mãe de morte e deu várias ordens para as enfermeiras.
2) BOIMATE
A revista New Scientist, publicação norte-americana especializada em artigos científicos, pregou uma peça em seus leitores na edição de 31 de março de 1983, véspera do dia da mentira: inventou uma descoberta científica.
Dizia o artigo que, a partir da fusão das células biológicas de um boi com as de um tomateiro, surgiu o primeiro híbrido de células animais e vegetais.
Seu produto: um tomate “reforçado” com genes de boi que, no futuro, seria capaz de gerar um filé com molho de tomate direto do pé.
3) ESCOLA BASE
Dois donos e outros quatro funcionários de uma creche paulistana, a Escola Base, são acusados de violentar sexualmente crianças da instituição, todos na faixa dos 4 anos. Não há nenhuma prova contra os seis acusados: a polícia se pauta apenas pelos depoimentos dos pais das crianças supostamente agredidas.
Ainda que não haja nenhuma evidência de abuso na escola e ainda que os acusados não tenham sido sequer convocados a prestar depoimento, o delegado responsável pelo caso espalha para a imprensa a versão de que o escândalo já tem os seus culpados.
4) O BRASIL VENDEU A COPA DO MUNDO DE 1998
Um e-mail começa se espalhar meses após a derrota do Brasil na final da Copa do Mundo de 1998. O conteúdo é supostamente baseado em investigações de grandes veículos de imprensa do mundo (como o The Wall Street Journal, o Corriere dello Sport e a revista Veja). O texto, assinado por um suposto diretor de jornalismo da Globo chamado Gunther Schweitzer, dá detalhes e valores da negociação envolvendo a CBF, a Nike e a Fifa para que a Seleção Brasileira perdesse a final para a França, sede daquele mundial.
5) ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MEMBROS DO PCC
Em 7 de setembro de 2003 o Domingo Legal, do SBT, exibiu uma entrevista com dois supostos integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. Esses integrantes ameaçavam na entrevista figuras conhecidas, como os apresentadores Marcelo Rezende e José Luiz Datena, além do então vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo. Tratava-se, na verdade, de uma farsa: a produção do programa pagou dois homens para interpretarem os criminosos na entrevista feita dentro do estacionamento do SBT.
6) NEWS OF THE WORLD
Com uma rede de grampos ilegais montada para auxiliar na cobertura sensacionalista de fatos marcantes no Reino Unido, o jornal News of the World consegue interceptar a linha telefônica de Milly Dowler, uma garota de 13 anos que estava desaparecida. A menina já estava morta quando o jornal conseguiu interceptar sua linha – prática que era comum entre os editores em casos policiais de grande repercussão. Assim, o jornal continuou explorando o caso exaustivamente.
7) ENRICO CABRITO
Jovens gaúchos resolveram fazer uma brincadeira na internet em 2013: inventaram um jogador argentino chamado Enrico Cabrito e espalharam em seus perfis no Twitter que ele seria o novo reforço do Grêmio para a temporada.
8) LULINHA DONO DA FRIBOI
O boato passou a circular no WhatsApp e por e-mail a partir do crescimento da Friboi no mercado de carnes do Brasil. A notícia apontava Lulinha, um dos filhos do ex-presidente Lula, como o acionista majoritário do grupo. A notícia foi se alimentando a partir dela mesma ao longo dos anos: frequentemente voltava, quase sempre anunciando que o escândalo enfim seria revelado em breve por alguma revista ou por alguma rede de TV.
9) MAGIA NEGRA
Uma página chamada Guarujá Alerta divulgou um relato denunciando uma mulher que seria responsável por sequestrar crianças para rituais de magia negra. O texto vinha acompanhado de um retrato falado da suspeita.
10) YOUSSEFF ENVENENADO
Na véspera do 2º turno das eleições presidenciais de 2014, uma corrente de WhatsApp trazia reportagem que informava: o doleiro Alberto Yousseff, delator da Lava-Jato, fora morto por envenenamento na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
O que acontece com quem é vítima da propagação de boatos? Neste vídeo, o ator Wagner Moura dá seu depoimento exclusivo, contando como essas mentiras afetaram sua vida. Ele também alerta para o risco dos vídeos falsos que podem ser feitos por qualquer pessoa, e podem arruinar reputações.
Quem nasceu após a popularização da internet tem até dificuldade de imaginar o que era redigir uma reportagem em máquina de escrever, passar para a gráfica, que escolhia manualmente as letras ou fazia um molde em chumbo, depois imprimia em papel em grandes rotativas para, a partir dali, mandar por caminhão, kombi, avião, trem ou barco para seus leitores. É um esquema industrial, que ainda funciona (apesar de ser cada vez menor) e envolve departamentos especializados em publicidade, marketing e venda de assinaturas.
Isso para textos e fotos, hoje acessíveis instantaneamente após serem produzidos e postados no outro lado do mundo. Imagine sua vida sem os vídeos do YouTube, TikTok, Instagram e Facebook.
Duro lembrar que, há poucos anos, só podia transmitir imagem e som quem detinha outra milionária operação industrial, com veículos dotados de links para transmissão ao vivo, câmeras caríssimas, antenas mais caras ainda, estúdios, iluminação. Hoje, de forma modesta, a lógica de tudo isso cabe em um smartphone.
Essa conversa pode parecer de tio velho maravilhado com a tecnologia, mas não dá para pensarmos a transformação do debate público e da formação da opinião sem começar pela revolução tecnológica pela qual ainda estamos passando.
Se você acha isso bobagem, lembre-se que o desenvolvimento da prensa de tipos móveis criada por Gutenberg na Alemanha do século 15, e a consequente popularização de livros e impressos, foi fundamental para a Revolução Protestante. O papel de jornais e panfletos, barateados pelo aprimoramento dessa mesma imprensa, também foi extremamente importante na Revolução Francesa, nas Revoluções Burguesas e na Revolução Industrial. A invenção do telégrafo, do rádio e da TV também produziram impactos semelhantes nos séculos seguintes.
A internet removeu o jornalista dos veículos tradicionais da posição privilegiada de mediador de informação na sociedade. Não que grandes jornais, rádios e TVs fizessem isso sozinhos, sem concorrência. Porém, antes da existência da internet, devido ao alto custo para se produzir e fazer circular informação, apenas algumas empresas de comunicação contavam com recursos financeiros e meios técnicos suficientes para tanto.
O resultado disso é que o grosso da população tinha acesso a algumas poucas fontes de informação – em sua grande maioria, por meios de difusão como TVs e rádios, cuja programação aberta não precisava ser paga diretamente pelo consumidor. Nesse contexto, como a sociedade brasileira nunca contou com políticas públicas para garantir que a pluralidade dos pontos de vista tivesse acesso a veículos de comunicação para se fazerem vistos e ouvidos, nossa democracia seguiu capenga no quesito “direito à comunicação”. Grupos no poder que compartilhavam do mesmo ponto de vista dos donos das empresas de comunicação mutuamente se perpetuaram pela reprodução de apenas poucas vozes.
Dessa forma, a agenda do debate e das prioridades públicas eram definidas por poucas cabeças.
Se você discordava da opinião de um editorial de um veículo de comunicação ou percebia que havia uma informação incorreta sendo passada adiante, o que podia fazer era escrever uma carta, torcer para que ela chegasse e, semanas depois, caso o veículo a publicasse, sua posição se faria conhecida. Pior ainda: se o veículo decidisse que não era de seu interesse publicá-la, pois ela mostrava que ele também erra ou feria alguns de seus interesses, reinava o silêncio.
A partir do momento em que foram disponibilizadas formas de comunicação em massa e em tempo real através da rede, a informação, que passava quase sempre pelo filtro dos veículos de comunicação e de seus profissionais, passou a fluir diretamente da sociedade para a sociedade. O custo para difusão de conteúdo caiu vertiginosamente. Milhões de veículos pequenos, alternativos, independentes (qualquer que seja o nome que se dê para essa mídia) surgissem e se fortalecessem, permitindo que suas vozes, antes desconhecidas ou caladas, se fizessem ouvir.
Isso não tornou o jornalismo tradicional desnecessário, pelo contrário. Ele continua com a função de reportar, ganhando também as de analisar, escolher e oferecer ao consumidor conteúdo que está circulando e checar informações, oferecendo curadoria. A diferença é que esses papeis não estão mais apenas na mão de algumas poucas empresas, mas podem ser desempenhados por qualquer pessoa ou grupo – para o bem e para o mal, como podemos notar neste curso.
Mas, importante ressaltar, que os ganhos com a popularização de veículos na internet ainda superam – de longe – as perdas.
Pessoas e grupos especializados em determinados temas passaram a construir sites, páginas e canais para dialogar diretamente com públicos específicos. Há pequenos e médios veículos voltados ao ensino de história, a games, moda, maquiagem e mecânica da mesma forma que há aqueles criados para divulgar notícias e opiniões sobre política, economia, cultura. Há milhões falando para bilhões.
Com isso, declarações de políticos, empresários e de figuras públicas passaram a ser contestadas em tempo real. Mesmo reportagens de veículos tradicionais acostumadas a não serem checadas são interpeladas ao vivo por esses sites, páginas e canais. Tudo isso está mudando a forma como o jornalismo tradicional e a política se portam diante da esfera pública, pois uma grande reportagem pode ser questionada por alguém portando um celular e uma conta no Twitter. Novamente, para bem e para mal. Pois nem sempre a intenção é boa.
Essa mídia de pequeno porte, alternativa e independente, tornou-se parte do arquipélago midiático que nos fornece informação diariamente. Grande parte da população continua se informando pelo Jornal Nacional, da TV Globo. Mas ele foi perdendo audiência ao mesmo tempo em que o consumo de conteúdo via redes sociais foi crescendo, como você está vendo neste curso.
Esse arquipélago ainda é formado por grandes ilhas, como o próprio JN, e alguns jornais, revistas e portais da internet pertencentes a grandes empresas. Mas também conta com ilhas médias, a exemplo de sites, páginas e canais alternativos. E ilhotas – como blogueiros independentes, que produzem seu conteúdo sozinhos, atingindo muita gente interessada em seu conhecimento específico sobre um tema.
As fontes de informação nunca se restringiram apenas aos grandes veículos, mas agora temos acesso as outras. Com isso, a checagem de informação pode não ser feita apenas pela mídia tradicional e pelas agências de checagem, mas pela ação diária desse arquipélago de conteúdo. Pois sua produção diária garante novas versões para a realidade que antes não conseguiam vencer a barreira da limitação técnica e financeira.
Por fim, da mesma forma que veículos tradicionais e corporativos erram, isso também acontece com veículos alternativos e independentes. Ou seja, os cuidados que você aprende aqui valem para todas as fontes de informação – de notícias que chegam via WhatsApp até a matéria que você assiste na TV. Algum nível de desconfiança, não de cinismo, deve ser sempre mantido.
Saber que tudo pode ser questionado por qualquer pessoa pode ser assustador para uns. E maravilhoso para outros. De qualquer forma, é uma realidade que vai apenas se aprofundar. Novas vozes vieram para ficar no debate público brasileiro e estão ajudando a definir o que entendemos por verdade e por mentira. Então, aprendamos a lidar com isso ao invés de ignorá-lo.