Até aqui, estamos falando de notícias que ainda tentam passar um verniz de verdade. Mas tem muito conteúdo na internet em que os autores já perderam qualquer noção, quase sempre motivados por fúria política.
Tenha em mente sempre que, hoje em dia, é quase impossível um veículo dar uma notícia bombástica sem que ela repercuta nos demais. Todo jornal quer cliques, e vale muito mais dar a notícia citando o concorrente do que ficar sem ela.
Se um site está afirmando uma coisa chocante, mas essa informação não está em nenhum outro lugar, é motivo para desconfiar. Se ele diz que “os outros veículos têm medo de dizer a verdade”, desconfie em dobro.
Quando uma notícia é boa demais pra ser verdade, melhor não compartilhar (porque provavelmente não é verdade mesmo).
CASO REAL: O site “Denver Guardian” publicou uma história sobre um agente do FBI que teria se suicidado após assassinar sua esposa. Depois do texto viralizar nas redes sociais, repórteres do jornal Denver Post descobriram que o policial citado na reportagem não existia, assim como a cidade onde esse crime teria acontecido também era inventada. Até mesmo o site do Denver Guardian, que publicou essa história originalmente, não era real: o endereço da sua sede era uma árvore no estacionamento de um banco abandonado, e a história do agente do FBI era a única “reportagem” publicada por esse site. Podia ser só um delírio inofensivo, mas o texto insinuava que esse agente do FBI teria morrido após vazar informações sobre Hillary Clinton, que liderava as intenções de voto para as eleições dos EUA em 2016. Foi somente uma entre muitas notícias falsas compartilhadas para criticar ou favorecer os candidatos nessa eleição, e rapidamente foi descoberta – afinal, mentira tem perna curta. Poucos dias depois, o site que publicou essa história falsa foi retirado do ar. Apelou, perdeu.
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Annablume, 2008.
SUNSTEIN, Cass R. A verdade sobre os boatos: como se espalham e por que acreditamos neles. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
Entenda que a ideia de “falso” esconde coisas bem diferentes – e todas tem a ver com alguma distorção da realidade. Agora, você conhecerá os conceitos que embasam a produção de notícias, especialmente o compromisso com fatos verificáveis.
Imagine uma linha reta em que numa extremidade esteja escrito “verdade absoluta” e, na ponta oposta, “mentira deslavada”.
Agora, imagine que você pode posicionar as notícias que lê em cima dessa linha, de acordo com o grau de confiança do que está escrito.
Onde você colocaria as notícias “sérias”? E as notícias “falsas”?
O primeiro impulso é colocar as sérias junto ao polo “verdade absoluta”, certo? E as falsas no lado contrário, em “mentira deslavada”.
Só que as coisas são mais complicadas do que isso…
Primeiro, vamos falar sobre as notícias sérias. Por mais honestas e imparciais que sejam, elas nunca conseguirão ser sinônimo de verdade absoluta.
Sabe por quê? Uma notícia não é a realidade. Ela também não é a transcrição da realidade, ou seja, sua cópia fiel. Uma notícia pode, no máximo, ser um retrato da realidade.
Vale mais uma vez pensarmos na comparação com um retrato. Vamos supor que você seja um excelente fotógrafo, o melhor do mundo. Ainda que você fotografe sempre com nitidez, sem cortar pé nem cabeça de ninguém ou deixar a turma com olhos vermelhos, sempre alguma coisa vai ficar fora do seu enquadramento. Concorda?
É impossível ser diferente. A vida real é muito ampla e complexa para caber no espaço de uma foto.
Com a notícia, acontece a mesma coisa. Um grande jornalista pode fazer um grande retrato de um fato (que é um acontecimento importante ao menos para um grupo a ponto de merecer um texto, um vídeo, uma gravação sonora). Pode ouvir muitas pessoas, entender muitos lados e interesses, investigar as causas do que aconteceu, projetar as consequências, e assim por diante.
Mas nunca conseguirá trazer a realidade completa, a verdade absoluta. É impossível um retrato tão amplo.
Por isso, dizemos que um jornalista pode buscar o máximo possível de objetividade (narrar os fatos sem paixões) e de imparcialidade (narrar os fatos sem tomar partido). Mas que essas duas coisas são inatingíveis na prática.
Sabendo disso, vamos voltar à nossa reta imaginária. Onde você posicionaria as notícias “sérias”?
Um bom lugar seria próximo ao polo “verdade absoluta”, o que indicaria esse desejo – que exige um esforço gigantesco! – de mostrar a vida como ela é. Mas não em cima do extremo, pois retratar a verdade absoluta é impossível.
Agora, vamos discutir o extremo oposto. O que é uma “notícia falsa”?
Para começar, dois alertas.
Fake também pode ser entendido como enganação, boato, distorção, truque, rumor – e falsificação. Ou seja: é uma palavra para lá de imprecisa, pois ela se refere a coisas bem diferentes entre si.
Por isso, muitos estudiosos têm preferido falar em “desinformação” em vez de fake news ou notícias falsas.
Na nossa comparação com o retrato, as notícias que provocam a desinformação são as fotografias que falseiam a realidade.
Isso pode acontecer de propósito, como quando alguém usa o Photoshop para fazer uma montagem ou apagar alguém da foto. Mas também pode ser sem intenção, como quando a gente tira um retrato sem foco, todo tremido!
No jornalismo também é assim. Pode-se fazer um mau retrato da realidade intencionalmente – visando dinheiro, influência política ou perturbar o sistema, como você vai ver no capítulo 5.
Ou sem querer – como ocorre no mau jornalismo, que não ouve todos os lados ou não entende direito o que aconteceu.
O resultado é que tem um monte de coisas que ficam embaixo desse guarda-chuva da desinformação:
E aí, na nossa régua, essa turma toda fica espalhada numa região próxima à mentira absoluta. Não em cima dela, pois todas precisam pelo menos de um pedacinho de realidade para existir. Mas ela está tão distorcida que não se pode dizer que tenha qualquer ambição de trazer a vida real.
Por fim, tem uma outra coisa que não é notícia falsa. São os artigos de opinião.
São aqueles em que o objetivo principal de quem escreve não é contar uma história (informar), mas expressar um ponto de vista (opinar). E, claro, tentar mostrar a quem lê de que ele está certo.
Na prática, essa separação entre informação e opinião não é assim tão clara. As duas coisas costumam estar misturadas, principalmente no jornalismo de hoje. Mas vamos adotá-la aqui na nossa conversa, porque as intenções de quem quer fazer uma coisa e outra são bem diferentes.
Em geral, dá para dizer o seguinte: textos de opinião não são fake news. Por uma simples razão: o objetivo de quem escreve é convencer o leitor, e não necessariamente relatar um fato da maneira mais exata possível. Portanto, não são notícias. Podem aparecer com diferentes nomes: artigo, coluna ou editorial, entre outros.
É o que na linguística chamamos de gêneros, ou tipos de texto. Cada um é diferente do outro pela finalidade e pela forma como são escritos.
É claro que você pode discordar totalmente de um texto de opinião. Tanto dos pontos de vista que estão expressos quanto pela forma como ele foi construído – com linguagem agressiva, TRECHOS EM CAIXA ALTA, argumentos falsos, neologismos (palavras novas no vocabulário) para rotular o outro lado (como coxinha ou petralha), ataques pessoais.
Nos casos em que as opiniões descambam para o discurso de ódio – por exemplo: defesa do nazismo, racismo, xenofobia –, o autor corre o risco de ser processado por crime. A lei brasileira pune a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional com até três anos de prisão.
Tudo isso é bastante polêmico e não ajuda a construir um debate sereno, que acolha opiniões diferentes. Você pode não gostar, mas isso não é fake news.
Você recebe uma informação pelas redes sociais, mas ela não “cheira bem”. Será que é verdade? Esse vídeo, fazendo uma autópsia de uma notícia falsa, explica o que está no coração das mentiras. Perceber essa armadilha é o primeiro passo para não ser enganado. Assista!
NÃO ESPALHARÁS FAKE NEWS EM VÃO
Os sete pecados capitais na hora de compartilhar notícias na internet
Com a popularização das redes sociais, todo mundo é um minijornal na timeline dos amigos. Se não quiser acabar bloqueado por só espalhar boatos e notícias estapafúrdias, veja quais são os sete pecados capitais na hora de compartilhar notícias on-line:
Na hora de espalhar a “bomba”, o dedinho é veloz. Mas quando é pra dizer de onde veio a história, bate até uma cãibra no mouse.
A internet está cheia de gente espalhando informação errada. Como saber se aquele áudio bombástico que chegou no Whatsapp é legítimo ou enganação? (pista: muito provavelmente é enganação).
Se a notícia não diz as fontes de onde saiu a informação, não compartilhe.
CASO REAL: “refrigerante de uva causa câncer” – muita gente passava essa história para frente, mesmo sem saber de onde viria essa informação.
Não basta ver que a notícia citou uma fonte, vale checar se a fonte realmente disse isso. Muitos sites picaretas colocam “Segundo reportagem do Jornal X”, mas quando você vai ver no Jornal X, ele nunca fez uma matéria assim (ou a matéria original não dizia exatamente aquilo).
Dá mais trabalho checar se é verdade antes de espalhar a notícia? Dá. Mas lembre-se que quando você compartilha uma notícia mentirosa, você está sendo mentiroso também.
Se o site é desconhecido e você não conferiu a fonte original, não compartilhe.
CASO REAL: Em uma das versões mais compartilhadas da notícia que “refrigerante de uva causa câncer”, a denúncia teria sido feita por uma suposta funcionária da Sociedade Brasileira de Cardiologia, citando pesquisas do Instituto Fleury. Se as pessoas que compartilharam tivessem dado o trabalho de conferir, saberiam que as duas instituições negam ter feito qualquer teste do gênero.
Por mais que seu tio politizado no almoço de família discorde, ninguém é dono da verdade. O bom jornalismo ouve dois ou mais lados de uma questão antes de publicar qualquer matéria.
Quando a notícia evidentemente só dá espaço para um lado da questão, é sinal que está escondendo alguma coisa – afinal, se ela tem tanta razão do que diz, que custa ouvir o outro lado?
Se a notícia ignora, despreza ou ofende qualquer outra posição contrária, não compartilhe.
CASO REAL: Meios de comunicação que negam o aquecimento global fizeram a festa ao reportar que um estudo científico “provava” que a mudança climática não passaria de um medo exagerado. Foi necessário que os próprios autores dessa pesquisa negassem essa interpretação incorreta de seus resultados, mostrando que não adiantava pinçar algumas partes de sua análise para sustentar uma posição incorreta.
Muitas vezes, na ânsia de atrair cliques, veículos pegam dados que não foram confirmados ou não significam nada, misturam num rocambole e apresentam como uma notícia bombástica.
Principalmente em eventos que envolvem pânico e urgência, como atentados, tragédias naturais ou surtos de doenças, é bom ser duas vezes mais cauteloso que o normal antes de acreditar nas notícias, pois muitas vezes os próprios jornais publicam boatos sem confirmação.
Se a notícia se baseia em dados não confirmados por fontes oficiais, não compartilhe.
CASOS REAIS: Em 2017, áudios que circulavam no whatsapp citavam sete doentes internados com o mal da vaca louca em Niterói, no Rio de Janeiro. Entretanto, ao verificar a história, a agência de checagem Lupa confirmou com a prefeitura da cidade, com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e com o Ministério da Saúde que o que havia eram quatro casos de outra doença bastante diferente – um número que se encaixa na média nacional e, portanto, está longe de caracterizar um surto.
No calor dos atentados a Paris em 2015, o jornal espanhol La Razón precisou se desculpar após identificar incorretamente um jovem canadense como um dos terroristas responsáveis pelos ataques, baseado em uma imagem toscamente editada, de autoria desconhecida, que circulava pela internet.
Às vezes, um vídeo ou foto “casa” tão bem com a nossa opinião que pensamos “puxa, que bom seria se tivesse acontecido aqui”.
Mas tem gente que vai além e, com inveja do fato vizinho, mostra como se tivesse acontecido aqui mesmo, tirando completamente de contexto.
Se não dá pra ter certeza que a imagem aconteceu onde (ou quando) a notícia diz que aconteceu, não compartilhe.
CASO REAL: Durante os protestos contra as reformas trabalhistas e previdenciárias em maio de 2017, um vídeo circulou pelas redes sociais “mostrando” policiais destruindo os vidros de um dos prédios de Brasília, para depois supostamente colocar a culpa nos manifestantes. Entretanto, verificação da agência de checagem Truco revelou que as imagens eram de policiais venezuelanos, e já haviam sido publicadas dias antes das manifestações brasileiras começarem.
Um dos truques mais velhos para enganar alguém é o exagero: pegar uma situação e generalizá-la, ou inflá-la além do razoável, para causar impacto emocional ou sensação de urgência.
Não é porque um bandido foi preso que o crime vai acabar. Da mesma forma, não é porque acontece um crime chocante que se pode fazer generalizações como “a criminalidade está fora de controle”.
Exagerar não é necessariamente mentir (uma estatística de todos os crimes em uma região ao longo do tempo pode confirmar que ele saiu mesmo do controle, por exemplo), mas mostra que a notícia está querendo te convencer pela emoção, o que costuma ser mau sinal.
Lembre-se também que experiências pessoais são uma amostragem muito pequena para fazer afirmações genéricas. Por exemplo: você pode achar que sua cidade é segura, porque nunca foi assaltado ano passado. Mas talvez você more num bairro mais policiado, ou passe menos tempo na rua, ou simplesmente teve sorte. Afirmações amplas só podem ser baseadas em pesquisas igualmente amplas.
Se a notícia exagera dados ou generaliza em cima de poucos exemplos, não compartilhe.
CASOS REAIS: Ao decidir abandonar o acordo climático, o presidente norte-americano Donald Trump baseou-se em previsões exorbitantes sobre o impacto negativo desse tratado e o crescimento que os EUA poderiam ter sem limites ambientais. Seus dados foram considerados exagerados por agências de checagem como a Aos Fatos.
Trump apresentou generalizações em outra questão polêmica de seu governo: o controle sobre migração. Para justificar uma medida de restrição à circulação de muçulmanos, citou uma pesquisa que apontava que um em cada quatro praticantes da religião considerava justificável agir com violência nos EUA como parte da guerra santa. Entretanto, a agência de checagem PolitiFact apurou com responsáveis por essa mesma pesquisa que ela tinha um método restrito, e não podia ser generalizada para toda a comunidade muçulmana no país.
Até aqui, estamos falando de notícias que ainda tentam passar um verniz de verdade. Mas tem muito conteúdo na internet em que os autores já perderam qualquer noção, quase sempre motivados por fúria política.
Tenha em mente sempre que, hoje em dia, é quase impossível um veículo dar uma notícia bombástica sem que ela repercuta nos demais. Todo jornal quer cliques, e vale muito mais dar a notícia citando o concorrente do que ficar sem ela.
Se um site está afirmando uma coisa chocante, mas essa informação não está em nenhum outro lugar, é motivo para desconfiar. Se ele diz que “os outros veículos têm medo de dizer a verdade”, desconfie em dobro.
Quando uma notícia é boa demais pra ser verdade, melhor não compartilhar (porque provavelmente não é verdade mesmo).
CASO REAL: O site “Denver Guardian” publicou uma história sobre um agente do FBI que teria se suicidado após assassinar sua esposa. Depois do texto viralizar nas redes sociais, repórteres do jornal Denver Post descobriram que o policial citado na reportagem não existia, assim como a cidade onde esse crime teria acontecido também era inventada. Até mesmo o site do Denver Guardian, que publicou essa história originalmente, não era real: o endereço da sua sede era uma árvore no estacionamento de um banco abandonado, e a história do agente do FBI era a única “reportagem” publicada por esse site. Podia ser só um delírio inofensivo, mas o texto insinuava que esse agente do FBI teria morrido após vazar informações sobre Hillary Clinton, que liderava as intenções de voto para as eleições dos EUA em 2016. Foi somente uma entre muitas notícias falsas compartilhadas para criticar ou favorecer os candidatos nessa eleição, e rapidamente foi descoberta – afinal, mentira tem perna curta. Poucos dias depois, o site que publicou essa história falsa foi retirado do ar. Apelou, perdeu.
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Annablume, 2008.
SUNSTEIN, Cass R. A verdade sobre os boatos: como se espalham e por que acreditamos neles. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
AVAREZA DE FONTES
Na hora de espalhar a “bomba”, o dedinho é veloz. Mas quando é para dizer de onde veio a história, bate até uma cãibra no mouse.
A internet está cheia de gente espalhando informação errada. Como saber se aquele áudio bombástico que chegou no WhatsApp é legítimo ou enganação? (pista: muito provavelmente, é enganação).
Se a notícia não diz as fontes de onde saiu a informação, não compartilhe.
CASO REAL: “refrigerante de uva causa câncer” – muita gente passava essa história para frente, mesmo sem saber de onde vinha essa informação.
PREGUIÇA PARA CONFIRMAR
Não basta ver que a notícia citou uma fonte; também vale a pena checar se a fonte realmente disse isso. Muitos sites picaretas colocam “Segundo reportagem do Jornal X”, mas quando você vai ver no Jornal X, ele nunca fez uma matéria assim (ou a matéria original não dizia exatamente aquilo).
Dá mais trabalho checar se é verdade antes de espalhar a notícia? Dá. Mas lembre-se que quando você compartilha uma notícia mentirosa, você está sendo mentiroso também.
Se o site é desconhecido e você não conferiu a fonte original, não compartilhe.
CASO REAL: Em uma das versões mais compartilhadas da notícia que “refrigerante de uva causa câncer”, a denúncia teria sido feita por uma suposta funcionária da Sociedade Brasileira de Cardiologia, citando pesquisas do Instituto Fleury. Se as pessoas que compartilharam tivessem se dado ao trabalho de conferir, saberiam que as duas instituições negam ter feito qualquer teste do gênero.
SOBERBA SEM CONTRADITÓRIO
Por mais que seu tio politizado discorde no almoço de família, ninguém é dono da verdade. O bom jornalismo ouve dois ou mais lados de uma questão antes de publicar qualquer matéria.
Quando a notícia evidentemente só dá espaço para um lado da questão, é sinal que está escondendo alguma coisa – afinal, se ela tem tanta razão do que diz, que custa ouvir o outro lado?
Se a notícia ignora, despreza ou ofende qualquer outra posição contrária, não compartilhe.
CASO REAL: Meios de comunicação que negam o aquecimento global fizeram a festa ao reportar que um estudo científico “provava” que a mudança climática não passaria de um medo exagerado. Foi necessário que os próprios autores dessa pesquisa negassem essa interpretação incorreta de seus resultados, mostrando que não adiantava pinçar algumas partes de sua análise para sustentar uma posição incorreta.
GULA PARA MANIPULAR DADOS
Muitas vezes, na ânsia de atrair cliques, veículos pegam dados que não foram confirmados ou não significam nada, misturam-se num rocambole e se apresentam como uma notícia bombástica.
Principalmente em eventos que envolvem pânico e urgência, como atentados, tragédias naturais ou surtos de doenças, é bom ser duas vezes mais cauteloso que o normal antes de acreditar nas notícias, pois muitas vezes os próprios jornais publicam boatos sem confirmação.
Se a notícia se baseia em dados não confirmados por fontes oficiais, não compartilhe.
CASOS REAIS: Em 2017, áudios que circulavam no WhatsApp citavam sete doentes internados com o mal da vaca louca em Niterói, no Rio de Janeiro. Entretanto, ao verificar a história, a agência de checagem Lupa confirmou com a prefeitura da cidade, com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e com o Ministério da Saúde que o que havia eram quatro casos de outra doença bastante diferente – um número que se encaixa na média nacional e, portanto, está longe de caracterizar um surto.
No calor dos atentados a Paris em 2015, o jornal espanhol La Razón precisou se desculpar após identificar incorretamente um jovem canadense como um dos terroristas responsáveis pelos ataques, baseado em uma imagem toscamente editada, de autoria desconhecida, que circulava pela internet.
INVEJA QUE TIRA DE CONTEXTO
Às vezes, um vídeo ou foto “casa” tão bem com a nossa opinião que pensamos “puxa, que bom seria se tivesse acontecido aqui”.
Mas tem gente que vai além e, com inveja do fato vizinho, mostra-o como se tivesse acontecido aqui mesmo, tirando-o completamente de contexto.
Se não dá para ter certeza em que local exatamente a imagem ou o vídeo aconteceu, nem quando foi isso, não compartilhe.
CASO REAL: Durante os protestos contra as reformas trabalhistas e previdenciárias em maio de 2017, um vídeo circulou pelas redes sociais “mostrando” policiais destruindo os vidros de um dos prédios de Brasília, para depois supostamente colocar a culpa nos manifestantes. Entretanto, verificação da agência de checagem Truco revelou que as imagens eram de policiais venezuelanos, e já haviam sido publicadas dias antes das manifestações brasileiras começarem.
LUXÚRIA DO EXAGERO
Um dos truques mais velhos para enganar alguém é o exagero: pegar uma situação e generalizá-la, ou inflá-la além do razoável, para causar impacto emocional ou sensação de urgência.
Não é porque um bandido foi preso que o crime vai acabar. Da mesma forma, não é porque acontece um crime chocante que se pode fazer generalizações como “a criminalidade está fora de controle”.
Exagerar não é necessariamente mentir (uma estatística de todos os crimes em uma região ao longo do tempo pode confirmar que ele saiu mesmo do controle, por exemplo), mas mostra que a notícia está querendo te convencer pela emoção, o que costuma ser mau sinal.
Lembre-se também que experiências pessoais são uma amostragem muito pequena para fazer afirmações genéricas. Por exemplo: você pode achar que sua cidade é segura porque nunca foi assaltado ano passado. Mas, talvez você more num bairro mais policiado, passe menos tempo na rua, ou simplesmente teve sorte. Afirmações amplas só podem ser baseadas em pesquisas igualmente amplas.
Se a notícia exagera dados ou generaliza em cima de poucos exemplos, não compartilhe.
CASOS REAIS: Ao decidir abandonar o acordo climático, o então presidente norte-americano Donald Trump baseou-se em previsões exorbitantes sobre o impacto negativo desse tratado e o crescimento que os EUA poderiam ter sem limites ambientais. Seus dados foram considerados exagerados por agências de checagem como a Aos Fatos.
Trump apresentou generalizações em outra questão polêmica de seu governo: o controle sobre migração. Para justificar uma medida de restrição à circulação de muçulmanos, ele citou uma pesquisa que apontava que um em cada quatro praticantes da religião considerava justificável agir com violência nos EUA como parte da guerra santa. Entretanto, a agência de checagem PolitiFact apurou, ouvindo responsáveis por essa mesma pesquisa, que ela tinha um método restrito, e não podia ser generalizada para toda a comunidade muçulmana no país.
IRA DA INVENÇÃO
Até aqui, estamos falando de notícias que ainda tentam passar um verniz de verdade. Mas tem muito conteúdo na internet em que os autores já perderam qualquer noção, quase sempre motivados por fúria política.
Tenha em mente sempre que, hoje em dia, é quase impossível um veículo dar uma notícia bombástica sem que ela repercuta nos demais. Todo jornal quer cliques, e vale muito mais dar a notícia citando o concorrente do que ficar sem ela.
Se um site está afirmando uma coisa chocante, mas essa informação não está em nenhum outro lugar, é motivo para desconfiar. Se ele diz que “os outros veículos têm medo de dizer a verdade”, desconfie em dobro.
Quando uma notícia é boa demais para ser verdade, melhor não compartilhar (porque provavelmente não é verdade mesmo).
CASO REAL: O site Denver Guardian publicou uma história sobre um agente do FBI que teria se suicidado após assassinar sua esposa. Depois do texto viralizar nas redes sociais, repórteres do jornal Denver Post descobriram que o policial citado na reportagem não existia, assim como a cidade onde esse crime teria acontecido também era inventada. Até mesmo o site do Denver Guardian, que publicou essa história originalmente, não era real: o endereço da sua sede era uma árvore no estacionamento de um banco abandonado, e a história do agente do FBI era a única “reportagem” publicada por ele. Podia ser só um delírio inofensivo, mas o texto insinuava que esse agente do FBI teria morrido após vazar informações sobre Hillary Clinton, que liderava as intenções de voto para as eleições dos EUA em 2016. Foi somente uma entre muitas notícias falsas compartilhadas para criticar ou favorecer os candidatos nessa eleição, e rapidamente foi descoberta – afinal, mentira tem perna curta. Poucos dias depois, o site que publicou essa história falsa foi retirado do ar. Apelou, perdeu.
São vários os sinais para sacar se uma reportagem tem compromisso com a verdade ou não. Mas, às vezes, dá para desconfiar só pela manchete, pela imagem ou diagramação. Faça o teste e veja se você está afiada ou afiado!
Por Danilo Doneda, advogado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) e e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Nestes tempos em que o debate sobre as “fake news” ocupa um grande espaço na agenda política, funcionando quase como uma válvula de escape para outros problemas que afligem a comunicação social, uma nova camada de complexidade começa a integrar este panorama com as chamadas “deep fake news”
O que estas “deep fake” possuem de mais “profundo”?
De uma forma muito genérica, ao passo que as “fake news” vêm se caracterizando por se aproveitarem dos novos fluxos de informações proporcionados por plataformas de redes sociais, mensagens instantâneas e novos modelos de editoração, as “deep fake” são fruto da aplicação de técnicas intensivas de Inteligência Artificial para falsear elementos que estamos habituados a tomar como verdadeiros – pregando uma verdadeira peça em nossos sentidos e convicções.
Esta tecnologia torna possível, a partir de elementos tão particulares e complexos como a voz ou as expressões faciais de uma pessoa, alterá-los e fazer com que representem situações que esta pessoa não protagonizou.
O resultado seria (é) um mundo no qual, por exemplo, a existência de um vídeo que seja visualmente verossímil do presidente dos Estados Unidos dando uma determinada declaração não implique em que ele tenha realmente feito a declaração, tal o nível de sofisticação que se tornou possível reproduzir e manipular.
E esta sofisticação tornou-se recentemente acessível a baixo custo, tornando possível com que áudios e vídeos “deep fake” sejam produzidos e, assim, aumentando a “profundidade” das fake news.
Os efeitos potenciais destas tecnologias não soam muito diferentes daqueles de uma droga capaz de alterar a consciência: a dificuldade de estabelecer os limites quanto ao que seja a realidade ou de estabelecer vínculos de confiança.
Os deep fakes, caso utilizados conjuntamente com técnicas hoje comuns para influenciar o fluxo de comunicações em redes sociais, podem aprofundar alguns dos problemas que hoje costumam ser diagnosticados como de “desordem informacional”.
No entanto, aparentemente ainda não temos exemplos de larga escala e efeitos do recurso a deep fakes de forma efetivamente maliciosa. Isto pode ser tanto resultado do fato de que a tecnologia ainda encontra-se em evolução (vislumbra-se um futuro no qual a detecção de um deep fake seja possível somente mediante perícias realizadas a um custo razoável) quando de que algumas consequências do deep fake serem mais agudas. Não se trata de mera descontextualização ou mudança de foco da informação, que são típicas das fake news – no deep fake, há uma modificação concreta em atributos da personalidade de alguém, como imagem e voz. Eventuais efeitos legais, nestes casos, tendem a ser mais incisivos justamente pela clareza do intento de manipular a informação e por afetar diretamente uma pessoa e sua imagem.
Isto não implica, necessariamente, em que o problema tenda a ser de menor monta – como o confirma o fato de que tentativas de criminalização da atividade já são objeto de propostas legislativas, como ocorre no Reino Unido, por exemplo. Outras tentativas de abordagem são técnicas, como o desenvolvimento de técnicas de estabelecimento de “marcas d’água” na informação ou mesmo de recursos semânticos para determinar a origem de determinadas informações. Nos próximos anos veremos o quanto o ecossistema de informação poderá ser colocado em xeque diante do aparecimento de formas mais sofisticadas de produção e disseminação dos deep fakes.