Por trás das notícias falsas existe um mercado que pode ser altamente lucrativo. Trataremos aqui como funciona esse processo. Apresentaremos as misteriosas fazendas de perfis falsos e explicaremos como uma notícia falsa se espalha. Conheça as motivações financeiras e políticas por trás das fake news!
Em geral, associa-se o mercado de fake news ao mundo da política, no qual o interesse básico é construir (ou destruir) reputações. Isso é bem verdade, mas o universo da desinformação vai além. Muita gente está no jogo exclusivamente para faturar um bom dinheiro.
A história é antiga. Nos séculos 18 e 19, jornais sensacionalistas já exploravam notícias cuja veracidade era difícil de comprovar. Crimes horrorosos, respostas populares a crimes horrorosos, histórias familiares emocionantes, casos de superação, peripécias de animais de estimação, histórias chocantes sobre a fome na África… Terreno fértil para exageros ou invenção pura e simples, com o objetivo de atrair o máximo possível de leitores e, assim, faturar com a venda de jornais.
Mas o consumidor não é a única galinha dos ovos de ouro da mídia. Logo esses mesmos tabloides descobriram que não precisavam se sustentar apenas com o dinheiro que os leitores empenhavam para comprar o jornal.
O pulo do gato? Os donos de jornais entenderam que informação barata, a um preço simbólico (na casa dos centavos) ampliava o público e atraía anunciantes. Estes, interessados num canal que podia chegar a centenas de milhares de pessoas, investiam pesado em propaganda e faziam a publicação dar lucro.
A internet incorporou essa mesma lógica. Mas com duas diferenças importantes.
Primeiro, como a grana dos leitores em geral é zero – quase ninguém paga para ter acesso à informação on-line –, a renda é quase toda derivada dos anúncios.
Segundo, a negociação para expor anúncios em um site ficou muito mais simples. Você não precisa entrar em contato com o comerciante – basta instalar programas de exibição de publicidade, como o Google AdSense, e pronto. Funciona assim: o software libera um espaço na sua página e carrega automaticamente anúncios, exibidos cada vez que alguém acessa o conteúdo.
É uma forma de publicidade que não envolve o dono do site. O Google negocia com seus anunciantes e premia quem lhe traz os resultados mais positivos.
Cada acesso vale uma fração de centavo para o dono do site ou do blog, mas aí a quantidade de acessos faz a diferença. Se você tiver milhões de visitantes, os centavos podem virar um dinheiro interessante.
E como conseguir milhões de visitantes? Se você respondeu que um dos caminhos é criando fake news, você infelizmente está certo. Por definição, as notícias falsas tendem a ter uma pegada sensacionalista, inacreditável, polêmica. E isso é um chamariz para nossa curiosidade – e claro, para nosso clique, que rende grana aos veiculadores de lorotas.
Na insana caça por cliques, o sensacionalismo é tão importante quanto o oxigênio. Como já vimos aqui, desinformação, manipulação, hiperpartidarização e notícia falsa não implicam necessariamente na completa invenção de um fato. Uma manchete que distorça a realidade ou aumente um acontecimento para gerar cliques, muito possivelmente vai dar dinheiro para quem a publicou.
Essa lógica trouxe gente que passou a produzir notícias falsas de olho apenas na grana. Conheça dois casos emblemáticos.
O trio de sócios se desmanchou e alguns sites ficaram pelo caminho. A máquina, no entanto, segue girando. Embora a maioria das páginas seja rotulada (tanto para o ataque como para o aplauso) como sendo de direita, a característica é atacar, muitas vezes com notícias falsas, políticos de todos os partidos. Os alvos podem ser desde grandes nomes da política local até o ex-presidente Michel Temer.
Em dezembro de 2016, o Pensa Brasil alcançou 2 milhões de visualizações. Para se ter uma comparação, o número é próximo da audiência do site do Estado de Minas, o mais bem-sucedido veículo da imprensa mineira na internet. Um dos “furos de reportagem” do Pensa Brasil foi a informação de que a morte da ex-primeira dama Marisa Letícia foi na verdade uma farsa. O conteúdo foi reproduzido por várias outras páginas comandadas por Beto Silva, ganhando assim maior visibilidade e, consequentemente, maior retorno financeiro por meio de anúncios.
Especialistas no mercado publicitário ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo estimaram que essa rede de sites arrecade entre 100 e 150 mil reais por mês com publicidade.
Segundo Christian, o trabalho lhe rendeu 20 mil euros mensais durante a corrida para a Casa Branca. Com um site simples, montado na plataforma WordPress, ele passou a inventar fatos e atraiu uma grande audiência em solo americano: “Os americanos são estúpidos, acreditam em tudo. Os que votam no Trump mais ainda”, explica. Uma das invenções mais compartilhadas foi a de que o papa Francisco declarou apoio a Trump.
“Eu ganhei dinheiro, mas o Google ganhou mais”, ironiza.
Em declaração para a agência Lupa, o documentarista André Fran, autor da entrevista, contou que Christian não foi o único a ganhar dinheiro com as farsas eleitorais: “Na Macedônia, havia as condições perfeitas para isso: desemprego e a impossibilidade de menores de idade trabalharem. Juntaram jovens inteligentes, dispostos a ganhar dinheiro e pronto: fake news”.
Há empresas especializadas na construção de reputações na internet. Seu trabalho é fazer com que marcas ou pessoas tornem-se não apenas conhecidas, mas também respeitadas e admiradas. Em períodos eleitorais, campanhas políticas contratam essas empresas para fazer o mesmo por seus candidatos. As que causam mais impacto não usam robôs para controlar contas em redes sociais. Há pessoas de verdade por trás dos melhores perfis falsos.
Profissionais contratados por elas controlam grupos de perfis falsos criados especialmente para isso. São chamadas de “seeders” (“semeadores”, em inglês) e têm o objetivo de disseminar conteúdo sobre os candidatos, como pessoas comuns fariam. Eles interagem e debatem com os outros internautas sobre aquele conteúdo, demonstrando dúvidas, avançando, retrocedendo, construindo junto. Essa relação humanizada é o que torna eficaz a conquista de votos. Entre os contratados para a tarefa estão estudantes universitários com excelente texto e cultura geral, com boas sacadas e resposta rápida, capazes de convencer por meio de sua atuação. Na época de eleição, chegam a ganhar bons salários.
Os profissionais não ficam elogiando cegamente seu candidato ou atacando loucamente o adversário, mas são guiados por pesquisas comportamentais e pela análise da estratificação da população, e usam softwares capazes de detectar a difusão de opinião na web para agir imediatamente, barrando o que é ruim e promovendo o que é bom.
Essas empresas realizam constantemente mapeamentos digitais das páginas que tratam de política, sejam elas de veículos jornalísticos, pessoas ou instituições, e do comportamento delas. Os seus semeadores se conectam a essas páginas e a uma série de outras listas e grupos – muitas vezes, cada perfil falso chega a participar de cem ou duzentas listas de discussão ao mesmo tempo.
Ferramentas digitais possibilitam que comentários feitos por esses perfis sejam publicados em todas essas listas ao mesmo tempo, disseminando informações positivas sobre o seu candidato ou negativas sobre o adversário.
A criação desses perfis não é aleatória, mas decorrente de análises de grupos sociais. Pode ser um jovem hipster, uma baladeira sertaneja, um tiozão do churrasco, uma estudante de graduação desconstruidona, com características e personalidades próprias. O grupo de perfis muda de acordo com cada área de atuação. Eles se casam, fazem aniversário, torcem para times de futebol, participam de grupos e fazem amigos. Ah, e quanto mais esteticamente bonito for o personagem do perfil falso, seja homem ou mulher, mais amigos e amigas consegue conquistar.
Existe toda uma ciência por trás da criação e manutenção de perfis. Bons perfis não são criados da noite para o dia e desativados após as eleições. Existem indefinidamente, com suas vidas próprias, sendo alimentados constantemente pelos profissionais contratados por essas empresas. Dessa forma, parecem ser pessoas reais, com gostos, medos, preferências, preconceitos, virtudes – enfim, como você e eu. Sim, alguns de seus amigos digitais, talvez alguns daqueles que você nunca viu pessoalmente, podem existir apenas na rede social com o objetivo de te vender algo ou alguém.
Há casos em que os seeders passam a campanha inteira – ou seja, meses – apoiando loucamente o candidato adversário e lutando por ele contra o seu próprio candidato. Alguns dias antes da eleição, o perfil começa a concluir, junto às listas de discussão das quais faz parte, que aquela proposta de educação do adversário, por exemplo, é interessante. Aos poucos, vai alterando a sua opinião, expondo publicamente essa reflexão de mudança, até que se convence que o melhor é, na verdade, o próprio candidato contratado pela empresa. Vira a casaca publicamente e traz muitos votos consigo. As pessoas que se identificavam com ele e também estão cheias de dúvidas acreditam que ele passou por um processo genuíno de convencimento baseado em fatos e vão junto. Valem-se do comportamento de manada.
O rastreamento de um perfil falso por parte da polícia ou do Ministério Público nem sempre é simples. Muitas vezes, os seeders atuam via acesso remoto – por meio de seus computadores, eles se conectam a uma máquina virtual que está em outro país (normalmente, um que não possui legislação para liberação de informações compatível com as leis brasileiras). Nada fica registrado no terminal por aqui, garantindo segurança e anonimato. Opta-se também por utilizar sistemas que interpõem dezenas de roteadores ao servidor de origem. Ou seja, mesmo que consigam descobrir o servidor de postagem, não é ele o que realmente foi utilizado pelo operador.
É possível, usando algumas ferramentas, detectar a repetição de postagens em perfis semelhantes e, através da checagem de IPs, perceber que se trata de um perfil falso. Quando isso acontece, esses perfis podem ser denunciados para a rede social, que os tira do ar. Durante uma campanha, como empresas contratadas por candidatos adversários fazem o mesmo tipo de ação, elas identificam os falsos e ficam se denunciando mutuamente numa guerra invisível aos olhos da população.
A difusão de conteúdo na internet se baseia em dois pilares: relevância (você precisa ser bom naquilo que fala) e autoridade (as pessoas precisam reconhecer isso, por meio de links, curtidas, compartilhamentos). Essas empresas criam autoridade. Por vezes, os perfis de diferentes operadores se juntam para corroborar uma opinião do grupo, ou apoiar ou criticar fortemente a opinião de alguém de fora. Questionamentos fortes jamais ficam sem resposta, principalmente se, no mapeamento, a página ou perfil que postou a informação possui relevância na rede e é formador de opinião.
Como uma notícia falsa se espalha? Uma onda de desinformação pode se propagar muito rápido e contaminar quem precisa tomar decisões vitais. Este vídeo acompanha uma epidemia de boatos sobre a vacina contra a febre amarela e mostra como essas invenções podem ser desmentidas por especialistas.
O objetivo político das notícias falsas é espalhar mentiras, mas acabam também destruindo a confiança nas instituições e no próprio conceito de verdade.
Já deu para perceber que as notícias falsas são uma grande perda de tempo. Elas ainda prejudicam quem repassa esses conteúdos duvidosos, porque contaminam sua reputação – ninguém vai confiar em quem fica passando para frente qualquer coisa que ouviu dizer por aí.
Mas o problema é mais grave, pois as notícias falsas não afetam somente quem entra em contato com elas. O pior efeito das fake news é coletivo, porque elas acabam disseminando uma desconfiança generalizada contra as instituições, meios de comunicação, grupos sociais, empresas e representantes políticos.
Se não dá para confiar em mais nada nem em ninguém, fica mais fácil de desprezar denúncias sérias que revelam histórias que nós deveríamos prestar atenção, mas acabamos ignorando devido a esse clima de desconfiança generalizada.
Mas cuidado para não confundir incredulidade (não acreditar em nada) com senso crítico (não acreditar em nada, até que surjam boas evidências). Manter uma postura crítica em relação ao que a gente recebe é essencial, e faz parte do amadurecimento questionar as mensagens que trocamos.
A capacidade de lidar com esses questionamentos é o que diferencia uma democracia de um regime autoritário, que não aceita críticas ou propostas alternativas. O método científico também requer senso crítico, pois implica estar sempre contestando seus próprios pressupostos, resultados e conclusões. Esses são instrumentos essenciais que você vai aprender, inclusive, aqui no Vaza Falsiane.
Mas, da mesma forma que é preciso evitar a ingenuidade de acreditar em qualquer coisa que vemos por aí, devemos ter muito cuidado para não cair no extremo oposto, duvidando de tudo e todos indiscriminadamente. Porque, no fundo, é isso que as falsianes querem: que você não acredite em quem está tentando te ajudar ou alertar para problemas sérios, mesmo com embasamento.
Parece estranho, mas quem semeia mentiras quer mesmo é colher confusão. Para entender esse objetivo esquisito, é preciso perceber os dois mecanismos diferentes que ocorrem quando notícias falsas são criadas. Apesar desses movimentos acontecerem simultaneamente e de forma complementar, compreender seus funcionamentos ajuda se a gente focar em dois momentos diferentes da conturbada história recente das notícias falsas.
No xadrez político, não é novidade que diferentes lados envolvidos na disputa costumam tomar algumas liberdades com os fatos, empurrando, distorcendo ou deixando de lado alguns detalhes para melhor vender suas propostas. As novas tecnologias não inventaram esse processo, só facilitaram a propagação desses conteúdos, com milhões de pessoas ajudando a disseminar informações incorretas (às vezes, sem perceber).
Assim, para vencer o debate político, muita gente, de todos os lados, acaba forçando a barra e atropelando os fatos. Na eleição presidencial dos EUA, em 2016, simpatizantes do partido republicano compartilharam uma notícia que dizia que o papa Francisco apoiaria o candidato Donald Trump, uma informação absurda, já que o papa se recusa a posicionar-se em eleições internacionais.
Do lado oposto da disputa, muitos democratas passaram para frente a história de que a Irlanda iria aceitar pedidos de asilo político de norte-americanos que pretendiam fugir do país caso Trump fosse eleito para evitar perseguições, o que foi negado pelo governo irlandês. No primeiro caso, a mentira tentava ajudar Trump, e era compartilhada por seus fãs, enquanto, no segundo, seus opositores buscavam manchar sua imagem, inflando o medo contra ele.
Essas histórias têm um fator em comum: ambas queriam influenciar na decisão do voto de quem estava ainda na dúvida, e não se preocupavam nem um pouco com a qualidade da informação que seria usada nessa decisão tão importante. Quem quer ganhar a qualquer preço não procura mostrar os melhores argumentos, mas sim, apelar para exageros que tem mais chance de enganar os desavisados.
É por isso que precisamos ser criteriosos na hora de escolher as fontes de informação para nos basear na hora de tomar decisões importantes, que podem afetar a nossa própria vida e a de todas as pessoas ao nosso redor.
E também é por isso que as notícias falsas não são um problema só para quem cai nessas pegadinhas. Se muitas pessoas na nossa sociedade tomarem decisões políticas depois de ser enganadas por argumentos falsos, todos nós vamos pagar o preço de um resultado prejudicial e injusto.
Quem tenta influenciar decisões, eleições e referendos sabe disso já faz muito tempo. Porém, agora que a preocupação com as notícias falsas entrou no radar de muita gente, quem tenta nos enganar identificou uma nova oportunidade: se o público anda ressabiado e não cai mais em qualquer historinha, dá para explorar essa desconfiança para tentar manipular as pessoas? Infelizmente, dá.
Se você não consegue vencer um jogo, sempre pode chutar a mesa, derrubando todas as peças do tabuleiro. Esse é o efeito mais perigoso da proliferação das notícias falsas, porque o público percebe que está sendo enganado e passa a desconfiar de tudo e de todos, indiscriminadamente. Mas tem sempre alguém que ganha com isso.
Após ser eleito presidente dos EUA, Donald Trump se recusou a responder perguntas de jornalistas de veículos de comunicação como a CNN, acusando seus repórteres de publicar “fake news”. Desde então, o presidente e seus partidários até divulgaram um Prêmio Fake News contra seus críticos na imprensa.
A ideia dessa nova estratégia é desacreditar quem faz críticas, apontando erros e previsões incorretas de alguns repórteres como falhas sistêmicas desses meios de comunicação. Assim, toda vez que esses veículos apontam denúncias contra seu governo, o presidente pode simplesmente desconsiderar o que é dito e descartar tudo como falso – mesmo quando são apresentados documentos para embasar essas críticas.
Com isso, fica mais fácil desprezar seus opositores, mas também fica bem mais difícil para o público entender quem está com a razão – e esse é justamente o objetivo dessa estratégia. No meio dessa confusão, muita gente acaba perdida, sem saber em quem confiar. Essa estratégia tenta erodir a confiança do público nas instituições (como a imprensa, o judiciário ou representantes políticos) que procuram limitar abusos de poder.
Sem o apoio do público, essas instituições podem não conseguir realizar corretamente seu trabalho de fiscalização dos poderosos, e fica muito mais fácil para quem cometeu algum abuso escapar sem punições. Em um cenário de desconfiança generalizada, ninguém mais vai saber se as denúncias são sérias ou não.
Um efeito colateral dessa desconfiança nas instituições é o fortalecimento da autoridade de figuras individuais que prometem dar todas as respostas e falar diretamente em nome do público. Essa é uma estratégia já adotada na Rússia e na Turquia como forma de desacreditar os críticos de seus governos, o que acaba fortalecendo a imagem de seus líderes como os únicos que merecem a confiança da população.
A internet ampliou nosso acesso a milhões de fontes de informação, e não podemos conhecer todos esses veículos para saber de cara se são sérios ou não. Mas, da mesma forma que precisamos tomar cuidado para não acreditar em qualquer coisa, também não podemos achar que tudo é sempre falso.
Desconfiança generalizada não ajuda na hora de construir um espaço de debate político, pelo contrário. Muita gente pode se aproveitar dessa crise de confiança para varrer para baixo do tapete denúncias bem fundamentadas, ou desacreditar as instituições que tentam manter o jogo político dentro das regras fundamentais da democracia.
Ninguém quer ficar perto das Falsianes, porque não dá para confiar no que elas falam – e porque nós podemos ser vítimas de suas intrigas. Mas é importante tentar entender por que as pessoas fazem isso, pois, assim, podemos identificar comportamentos nocivos e não cair na armadilha dessas víboras – caso contrário, quando você menos espera, está espalhando veneno por aí também.
Apresentamos abaixo uma lista de perfis bem-humorados sobre proliferadores de notícias falsas. Se você se identificou com algum deles, não se preocupe! Não há nada de errado em pedir desculpas por passar uma mentira para frente – é só ter olho vivo para não deixar isso se repetir…
Quem quer se beneficiar da tragédia alheia não pensa duas vezes antes de passar adiante uma história que pode ou não ser verdade, mas tem potencial para lhe ajudar de alguma forma. Aqui temos desde o candidato político que espalha denúncias furadas contra seus opositores até o investidor que divulga informações exageradas sobre uma empresa para ver suas ações se valorizarem. Versões mais mundanas incluem quem dá aquele upgrade no currículo ou no LinkedIn inserindo experiências ou habilidades “incríveis” (porque não dá mesmo para crer que elas sejam verdadeiras) ou quem espalha rumores negativos sobre aquele colega de trabalho que está competindo por uma promoção com aumento de salário.
“Falem mal, mas falem de mim” – ou “falo mal, mas ouçam a mim”. Essa é a lógica de quem só quer mesmo aparecer, e, para prender a atenção alheia, não pensa duas vezes em exagerar um pouquinho, um pouco, muito ou inventar completamente tudo do zero. É o que motiva muitos dos criadores de sites de fake news, que precisam atrair grandes quantidades de leitores para conseguir dinheiro com publicidade: como você viu neste módulo, cada visualização dá frações de centavos, então eles precisam de milhões. Nessa luta pela atenção, as estratégias sensacionalistas de apelar para exageros fazem muita gente mentir sem dó. Frequentemente, correm o risco de sofrer processos e podem ter de apagar suas páginas. Contudo, logo em seguida abrem outros domínios, como se nada tivesse acontecido, e recomeçam tudo do zero. Mas sabe como é: eles pode até perder o amigo, mas não querem perder a atenção do público.
Esta é uma variação sutil dos perfis anteriores, que se veste com uma aparência de nobreza: ela “tenta” denunciar e nos mostrar as verdades que ninguém quer ver. No processo de construir essa imagem de engajamento, mistura no bolo um monte de bobagem, exagero e mentira pura, sem se preocupar com os fatos. Para quem se preocupa só com ideologia, não faz muita diferença se os fatos se encaixam ou não nas opiniões que se pretende propagar. Tem gente que repassa conteúdo e que sabe ser falso para tentar enganar parte de seus contatos, convencendo com argumentos tortos a “validade” de seus ideais.
Mais bizarro ainda, para demonstrar fidelidade à sua causa, muitos espalham boatos mesmo sabendo que são mentira. Para a pesquisadora Judith Donath, tem gente que aceita “sacrificar” sua reputação perante opositores críticos para demonstrar, por exemplo, o grau de seu alinhamento partidário.
Muita gente acaba também repassando conteúdo duvidoso só para construir uma reputação de suposta “consciência” crítica. Nesse caso, nem é necessário acreditar na causa. É só querer ser visto como alguém que se importa muito com essa questão – tanto que vale até apelar para mentiras. Talvez seja o caso mais insano: uma embalagem vazia, com um rótulo completamente enganoso, sem nenhum conteúdo.
O boato não beneficia ninguém, e justamente por isso algumas pessoas os acham tão saborosos: é o prazer de ver alguém inocente sofrendo sem motivo algum. Muita gente covarde acaba apelando para essa rasteira como uma forma de vingança pessoal ou para aplacar sua inveja. É o tipo de gente que se sente ofendida com a felicidade dos outros, espalha mentira sobre ex-namorada ou inventa boato só para ver os outros sofrendo. Se você identificou alguma inimiga, cuidado: muita cautela, distância e desconfiança para não acabar bebendo desse veneno. Se você já agiu dessa forma, precisa lidar com seus próprios problemas para não ficar com fama de recalcado.
Boatos não procriam sozinhos. Eles precisam de hospedeiros que os ajudem a espalhar esses rumores. E quanto mais gente espalhando um boato, maior a chance dele crescer, porque começa a bater aquela pressão: se todo mundo está falando sobre isso, deve estar certo, não?
É o que o pesquisador Cass Sunstein chama de “pressões para a conformidade”: os boatos se espalham também porque algumas pessoas se sentem indiretamente pressionadas a seguir o comportamento coletivo, copiando o que os outros estão fazendo. Esse mecanismo é tão forte que pode até fazer com que pessoas passem para frente uma informação que não acham muito correta – mas silenciam seus questionamentos para não criar ruídos no grupo.
Outro fator para esse efeito de manada envolve bolhas de polarização: as pessoas acabam se aproximando dos grupos de indivíduos com quem tem afinidade, e se distanciando de quem discordam. Com isso, acabamos interagindo mais com pessoas que já têm opiniões muito próximas das nossas. Nesse cenário, se as pessoas com quem concordo sobre um tema começam a se posicionar de forma alinhada em outros assuntos, cria-se uma tendência para os indivíduos desse grupo seguirem o mesmo posicionamento. Assim, os grupos tendem a radicalizar suas opiniões e descartar críticas ou fatos que parecem não se encaixar na sua visão sobre o mundo – ou a propagar informação duvidosa só para reforçar suas preconcepções e seus laços de afinidade.
Um caso difícil de identificar, mas bastante frequente. A pessoa não ganha nada com o boato (e pior ainda, corre o risco de se queimar feio quando alguém perceber o erro), mas acabou enganada por outras pessoas e o repassou sem nenhum motivo. Foi só um caso de desatenção ou falta de cautela, mas muita gente acaba sem querer fazendo papel de fantoche para quem depende dos outros para divulgar boatos.